quarta-feira, 18 de junho de 2008

"Goiabinha"

Nunca pensei fosse encontrar em São Paulo o “Goiabinha”. Foram centenas, de casca durinha, no estilo mais caseiro; aquele doce molinho em porções quase diminutas, caprichosamente envolvidas em trigo e muito carinho. Cada um uma cara, não de feitio totalmente regular, mas de uma individualidade pensada, delicada, distante do mundo das fábricas. As mãos moradoras paulistanas que conheci, ainda guardam o jeito mineiro das goiabas, dos quintais, das cozinhas aquecidas e cheirosas. Tudo sem complicação, de um comum incomum; comida de coração, pegada no fogão, lembrança do chão.

domingo, 1 de junho de 2008

"E agora José?"

Ele nasceu em um lugarejo chamado Tabocas, distrito de Rio Grande, pertencente ao município de Floriano, Estado do Piauí. “Morávamos em uma casa coberta de capim”, conta José Alves da Silva. Durante a conversa que tivemos, ele permaneceu de olhos baixos quase todo o tempo, como se um filme estivesse passando em sua mente. A voz firme, só algumas vezes saía embargada. Pequenino, mais ou menos 1,65 de altura, 69 anos, cabelos grisalhos, fronte ampla e uma postura de elegância invejável.

O Alves ou Zeca, como sempre foi chamado, diz não ter nenhuma saudade do lugar onde nasceu. “Minha infância foi de muita pobreza, não existia espaço para brincar, havia muita doença e nenhum atendimento médico”. Para Zeca, o que mais marcou sua fase de menino foram as constantes brigas entre seus pais. Permaneceu na roça até os 10 anos de idade, quando foi estudar na cidade de Floriano. Ficou hospedado na casa de um amigo de seu pai. Esse amigo possuía várias propriedades.

A adolescência quase não existiu. Enquanto concluía o curso primário, trabalhava em mais de 30 fazendas, viajando e fiscalizando o trabalho dos vaqueiros até completar os 14 anos de idade. Nesse tempo, voltou para o campo. Chegando lá, a família recebeu a visita de um primo chamado “Odaque”, filho do “Zuca”. O visitante observou que Zeca era um menino muito inteligente e que era um desperdício ele ficar na roça. Então, resolveu levar o menino para Anápolis, no Estado de Goiás, para terminar os estudos.

Em Anápolis, Zeca conseguiu um emprego na loja de “Tecidos Buri S. A.” e fez o Exame de Admissão para ingressar no curso ginasial. Trabalhava durante o dia e estudava à noite. “O sonho de todo estudante em Goiás era estudar em Belo Horizonte”, conta Zeca. O pai de um dos hóspedes da pensão onde Zeca morava, tinha uma casa na rua Iguaçu, no bairro Concórdia, em Belo Horizonte. Em 24 de dezembro de 1954, Zeca chega no aeroporto da Pampulha.

Ficou uns 10 dias no bairro Concórdia e depois foi morar no Edifício “Balança mas não cai”, na rua Tupis, 749, onde moravam vários estudantes do Piauí. “Eu me sentia em casa”. Matriculou-se no Colégio Anchieta para cursar o Científico. Dentro de um mês, o estudante piauiense se empregou na Mesbla S.A., “uma das firmas mais importantes do país”. Começou como vendedor na seção de artigos eletrônicos. Três meses mais tarde, com 20 anos de idade, já era chefe do setor de eletrônicos. Coordenava funcionários de 40 a 50 anos de idade, com anos de serviços prestados à empresa.

“Você, todo de terno branco, aqui nessa loja empoeirada! Você merece coisa melhor,” diziam os companheiros de trabalho da Importadora Mesbla. Ele dizia: “Eu dou todo o meu esforço”. O “Senhor Alves” foi convidado para ser chefe de departamento. Para isso teria que abandonar os estudos, já que iria fazer viagens. Ele aceitou e teve um bom aumento no salário. Nessa época, lembrou-se da família que deixara no nordeste. “Meu irmão Pedro que estava muito bem financeiramente, mandou buscar meus pais e meus outros sete irmãos para morar em Anápolis.” Seis meses depois de morar em Goiás, a família de Zeca voltou para o Piauí. Pedro alegava dificuldade de adaptação dos familiares, uma vez que ele só “freqüentava a alta sociedade.”

“Eu estava morando no Hotel Majestique, rua Espírito Santo com Caetés, quando resolvi trazer minha família para Minas. Aluguei um barracão em Santa Tereza e trouxe meus pais e meus irmãos, todos com menos de 15 anos. Continuei trabalhando na Mesbla e meu pai começou a trabalhar, primeiramente, como feirante." Depois, Zeca alugou um ponto na Rua Amianto com Pouso Alegre, em Santa Tereza, onde montou um bar para o pai. Assim os dois puderam cuidar da família.

Enquanto isso, o irmão de Zeca “quebrou” em Anápolis devido à bebida. Quando chegou a Belo Horizonte, Zeca propôs que ele retornasse e trouxesse um capital para que os dois se estabelecessem no ramo do comércio de cereais na capital Mineira. Passados dois anos, o irmão retornou e eles fundaram a Cerealista Irmãos Alves, na rua dos Guaicurus. A empresa se tornou uma das mais importantes firmas de atacado de cereais do Estado.

"Ganhamos um bom dinheiro, fechamos a cerealista e aplicamos todo o capital em ações. O mercado de ações sucumbiu durante o governo Sarney e nós perdemos todo o recurso financeiro que tínhamos. Pedro precisou voltar ao trabalho e eu hoje sou aposentado e não dependo de ninguém,” conta Zeca. E agora José? Agora José, solteiro, pai de todos seus irmãos, diz que é uma pessoa feliz e de muita coragem. Essa pergunta foi feita a ele em todos os momentos de sua vida e ele não se calou.

Do Galba

Estava lá. Grandalhona, espalhada, enviesada na calçada do quarteirão do quartel. Roupa colada nos membros inferiores, cobrindo-os só até os joelhos. Blusa curta com folga, menos no abdômen protuberante. Antebraço ralado com sangue já coalhado de listras em alto relevo, irregulares. Passaram uma, duas, três pessoas; uns de olhos estatelados e pescoços girados voltados para baixo; outros, só viravam os olhos. Parar mesmo...só a quarta de cabelo pretinho, curtinho, com um cãozinho Dachshund na coleira, também pretinho; cara de uma, focinho de outro. Perguntou: - Posso ajudar? Os olhos entreabertos, prestes a fechar de vez, em vão buscavam a imagem da “moça Dach”, até que balbuciou um gemido. Depois veio a quinta pessoa; cabelos longos, apressada; parou assim mesmo. Não havia como rejeitar uma imagem tão indiscreta. Acertaram então as duas: chamar um policial, afinal de contas, era território deles.

Lá se foi então Mônica, a dona do lingüicinha, em direção à guarita do quartel. Chegando lá deparou-se com um policial fardado, de quepe, sentado com olhar no vazio. – Por favor senhor...tem uma mulher caída no chão, logo ali...pode ajudar? – Agora não posso. Enquanto isso, Marta tentava obter alguma informação, mas sem sucesso. Até que percebeu que na mão da “criatura” havia um papel enrolado, e sobre ele o nome DORA, em caneta pincel azul. De repente a mão da moça começou a desenrolar o papel e o conteúdo veio à tona: seis comprimidos, de tamanhos e cores variadas. Foi quando chegou Mônica e disse que o policial não viria. Marta visivelmente perturbada esteve a ponto de arrumar uma confusão com a polícia, e manifestou sua indignação: - Pra que serve ter um quartel aqui? Decidiu, então, que ia lá falar com o policial de novo. Chegou nesse momento mais um grupo de três mulheres; todas manifestaram o interesse em ajudar. Uma delas se prontificou e foi na frente de Marta...Desta vez o milita não teve salvação. Veio com aquela cara de Meu deus eu mereço, mas veio.

Curiosamente, a chegada do guarda deixou a moça bem mais interativa. – Onde você mora? perguntou Orestes. - Na lagoinha... – Você quer ir pra onde? – Para o Pronto Socorro, João XXIII; e apenas três dentes espaçados na boca. Marta interveio: - Tem uns remédios com ela. – Você quer ir para o Raul Soares? destilou “brilhantemente” Orestes. – Não...para o Galba...- Quer ajuda para assentar? – Sim. Orestes não só ajudou a moça a aprumar o corpo em posição de assento, como levantou-a com certa dificuldade...- Uma viatura leva você...Seguiram os dois; Orestes um pouco mais atrás verificou com olhar fixo o volume e a consistência das ancas da moça. Marta pensou: - Será que fizemos a coisa certa? Imaginou na seqüência cenas nem tão amenas, mas que aquela que vira não se repetiria tão facilmente. Enganou-se. Ao passar alguns dias depois pelo mesmo lugar, estava lá a Moça do Galba num diálogo, nem tão amigável, com um guarda. Ele dizia: esse negócio de levá-la até o Galba já está virando brincadeira...