quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Imaginado esquecido

Ausência de lembranças
A melhor parte
Corpos em espasmo incontido
De bocas ávidas em procura infinita
Mentes escondidas
Sem arrependimentos
Sem procedimentos
Sem análises infindáveis
Inconclusas
Só os corpos contentes
O esquecido lembrado
Imaginado

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Mãos

Sem paciência para os textos longos, delas e dos outros, as mãos carregavam o tempo longo sem horas marcadas, mas de momentos extensos. Elas até gostariam de registrar o ‘irregistrável’, o intenso comovido, gritado, chorado, sorrido; mas frágeis, só têm a memória do momento e sequer deles sabe ao certo, dos relógios. Mãos sem oras, nem vejas, nem luvas e tantas luvas. Tantas viagens por dia custam a elas um tempo que elas não têm, não detêm, e se convêm a elas, vem aquele tempo cortado, repleto de sensações e senões. Mãos atávicas, de raridades ordinárias, amáveis, resolutas, imprecisas. De encontros tontos; guardam o peso dos ombros, a leveza do sorriso, o contentamento do carinho. Guardam até outras mãos, grudadas mãos de pele árida ou tropical, de desejos soltos ou contidos. Livres e presas no mundo dos fazeres e dos haveres, mãos irmãs da gente, pulam, recuam. Nuas mãos de dedos com verrugas, apontamentos sobre a lua, do branco do papel de textos tantos, acalanto, pranto e espanto.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Visgo

Que coisa mais estranha uma palavra sem definição, a palavra certa incerta. Quando nos deparamos com a frase: essa palavra não tem definição; e inscrito o aspecto morfológico; substantivo masculino singular. Como não tem definição? Que autoridade seria capaz de punir o seu uso, se ela cabe tão bem, com perfeição? Vem de novo a frase repicando na mente: mas esta palavra não tem definição...Parece um visgo da língua. O que significa Visgo? Visgo ora...claramente grudado, inevitável, indelével, visguento...quase um substantivo adjetivo. Que seja a planta Visgo, sem problemas. Mas é mais que Visgo planta...é visgo que acompanha, entranha, é o que a palavra induz, o que seduz a emoção razão. O que prefere? Dizer a esperança é um visgo? A esperança é um inevitável? Esperança visgo tem alma, esperança inevitável tem o quê? É só inevitável. Visgo é um inevitável sem senões. Visgo gruda na esperança de tal maneira que formam um duplo inseparável. Os dicionários talvez se contentem com o Visgo planta. Eu reivindico a esperança Visgo.

sábado, 15 de novembro de 2008

Virada

A barata estava lá, não kafkaniana inerte, mas mesmo assim sofria da impossibilidade, da anatomia atávica, inevitável. O movimento sincrônico das patas no ar feito uma ginástica, uma tentativa repetitiva, infidável. Não se sabe o que fez ela se virar. Elas sofrem desse acidente rotineiro; ficam lá reféns de qualquer predador, até dos chinelos. Nada mais angustiante e patético do que uma barata virada sobre seu casco duro; tantas pernas incapazes de provocar o giro do corpo, até chegar um felino e bum! Até ser comida por uma lagartixa e vir a escuridão. Era uma vez e o sangue branco escorre, e o olhar com cara de nojo, como se o sangue não pudesse ser branco e nem ela um ser que viveu...Já não era sem tempo sua nojenta! O Gregor do Kafka virou uma barata? Tudo indica que sim. Tudo ficava grudado nele; carregava o peso dos conformes. Talvez o Kafka tenha se inspirado em uma barata virada. E o nojo? Ah... O nojo talvez seja apenas um disfarce humano para o medo da quitina bem conformada, mas quebradiça, do ângulo limitado dos membros, fingidores do movimento.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Engano

Temos três olhos
Como?
Só vejo dois...
Temos três ouvidos
Como?
Só vejo dois...
O que ouves tem mistérios...
De verdade,
Não ouves muito bem...
Como?
O que vês é ilusão,
Não te enganes...
A visão embaça,
Disfarça
Como?
Digo, redigo,
Não te iludas...
Os pares te enganam...
Como?
São dois fatal
Um deixa pro outro
E o terceiro?
É olheiro,
É escuteiro,
Nem sabes dele.
Mas e os pares?
Pobres pares...
Não pares neles...

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Eu mim

Comprometedor interior,
O de dentro da gente;
Intruso obrigatório,
Contraditório,
Revelador velado;
Nada mais incondicional,
Protetor,
Controlador,
Incomodador;
Quiseras ser sem ‘eu’?
Quisera ser...
Sem mim?
Adivinho sem fim,
Desencontro encontrado,
Interiorano macabro,
Descalabro dentro da gente...
Quem dera fosse um candelabro.

Gosto

Gosta...
Sei que gosta.
Quer dizer;
Parece que gosta.
Gosta nada...
Nem finge,
Mas gosta.
Oh se gosta!
Gosto...
Sei lá...
Pode ser gosto.
Gostoso?
Sei lá...
Amoroso?
Nem sei...
Almoço?
Sei lá...
Gosta?
Gosta do gosto...
Tosco?
Não...
Sem fosco.
Salivoso almoço,
Amoroso gosto,
Mesmo sem enrosco.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

O que contar?

Nada mais angustiante do que querer contar e não ter o que contar. Quando o olhar não mira nada de novo e pior, não vê em nada uma repetição produtiva, contável. Estranho não encontrar as estórias e elas não nos encontrarem, nem na vida, nem na escrita. Esse clima de ‘modor’, essa inércia imaginativa, esse olhar cego, improdutivo. Às vezes vem a sensação de que as estórias acabaram, que não há mais o que contar porque o conto é a gente mesmo, e a gente mesmo está incontável, nada nos toca, nos mobiliza, nos atinge. E tanta estória fica lá sem ser vista, numa latência, e a vivência do contar improvável. Então a gente se vê num cenário impreciso, em negociações precisas, em um pesar de estória que não dá pra se contar. O conto imprevisto, surpreendente se perde; a gente se encontra sem conto, tonto, louco pra contar sem ter o que contar. Perspectivas adormecem sem sonho. Contos nem em sono; tudo esquecido de olhos abertos ou fechados, emaranhados diurnos e noturnos confusos sem conexão, sem reflexão; um pano preto impermeável...Olhares irrefletidos.