sexta-feira, 24 de abril de 2009

A suprema cronicidade cênica

E a corte suprema, o Supremo Tribunal Federal, a residência dos soberanos homens de capa preta se reuniu em sessão solene na última quarta-feira, dia 22, logo após as comemorações do Dia de Tiradentes. Mas os ânimos latentes resolveram se manifestar de forma veemente, sem nenhum galanteio ou cordialidade, senão um tanto de desafetos estourados repletos de humores de acusação fundadas em informações há muito, desde sempre varridas ou simplesmente cindidas, vagas o suficiente para garantir os ritos ordinários e até extraordinários sob as vestes da justiça.

Assim seguem os supremos tribunais e quaisquer instituições de deliberação coletiva, que antes de qualquer outro interesse, deveriam atentar para o interesse público. Até que alguém resolve se insurgir de modo ‘descortês’ e põe em leilão uma história mal contata para ser bem contada. E a mídia atenta cada vez mais ao teor espetacular, às cenas de imagens escandalosas e sorrisos irônicos, na busca de uma audiência estarrecida, em dúvida sobre o exato gênero encenado, ou quem sabe a certeza sobre o perfeito entrelugar tragicômico.

Enquanto isso, o olhar curioso, crítico, investigativo, democrático às partes envolvidas, rende-se à exibição fragmentada, no estilo cada vez mais mercadológico. E as notícias na TV se seguem na ordem ‘suítes’, se possível também na cadência cênica cheia de atrativos, em uma cronicidade sem causas aparentes, de etiologia vaga, recuperando fatos de interesses duvidosos.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Repetidor Barthiniano

O amor se repetia. Vinha de todas formas, só aparentemente diferentes, mas iguais e repletas de todos os sentimentos cabíveis e incabíveis. O amor se repetia tanto que cansava. Porém, chegava disfarçado de novo, de expectativas nobres, de desejos incontidos, de toques descomedidos. Era sempre na epiderme que ele se mirava, no intervalo de pêlos sobre a pele e até nos mesmos pêlos prestes a cair, ou serenamente cortados, sem dor. Mirava-se nas células superficiais, frágeis, farelos. O amor tinha algo de descamação, de substituição provável e inevitável, porque tinha fissura pelo objeto da perda, pelas unhas endurecidas enraizadas na carne, prestes a serem separadas do corpo. O amor ia somente pra vir de novo, na sua pretensa e ilusória originalidade. Era assim; ele, o amor, tinha apego pelas partes sobrepostas que denotavam vida em constante renovação, inconstante. Era o amor pelo amor, não pelo objeto amado. O objeto era vário, mas a curiosidade se renovava exatamente naquele objeto, acusado de conter o amor, apenas por ser improvável; a vida se desfazendo; os fragmentos de epiderme, a causa do desejado amor. O amor se repetia na multiplicação celular, no advento da vida, prenúncio da morte. O amor era atento justamente nas partes que se perdiam no objeto, nos fios de cabelos, nos nacos de unhas, nos pêlos nascidos imponentes, mas arrancados facilmente. O amor se repetia no tom da cantiga da epiderme, insurgente, multiplicadora, mortífera...o amor pele e discurso se repetia como antídoto da vida.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

E qual é mesmo a verdade?

A verdade, às vezes, vem a passos lentos, na cadência impositiva da ilusão. E qual é mesmo a verdade? Não passa de um instantâneo? Não seria a ilusão a verdade do momento, tão crível que nos faz cometer desatinos? Então, a verdade é o crível? Dir-me-eis que não. O que crês é ilusão, mentira disfarçada...E qual é mesmo a verdade? Tolo, direis...Verdade verdadeira é um tão somente espaço de tempo e mente na mesma cadência, quase um alento...um piscar de olhos, um registro, um palpável...até vir a escapada, o tempo seguinte e a imagem se desfez, e a crença se compadeceu, morreu pela verdade de mentira...Era uma vez é mentira? Não, era uma vez foi uma vez contada, imaginada, verdade criada...Era uma vez é verdade do momento...virou verdade e se foi no era uma vez...Verdade mesmo a gente corre atrás...Coitada da verdade perseguida...E qual é mesmo a verdade?

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Sem pontos e sem palavras

Tem poema
Que nasce
Fininho
Depois ganha corpinho
Devora todas as palavras e pontos
Se enche de três pontinhos
Até ficar embriagado
E se perder no caminho sem pontos e sem palavras

Devorador

Ah...o tempo,
Tempo terrível,
Devorador,
Tempo imprevisível,
De visível passar;
Ah o tempo,
Rato,
Roedor de bocados,
De bocadas precisas,
‘Levador’ de brincadeiras,
Adolescências insones,
‘Adultecências’ cômodas,
Incômodas;
Ah o tempo;
O que o tempo leva...
Tudo o tempo leva;
Antiguidades,
Modernidades,
Atualidades,
Pedaços de quaisquer;
Ah o tempo,
Leva quaisquer...
Pega quaisquer...
Faz lembrança invisível;
Ah o tempo,
Fazedor de lembranças,
De tempos devorados,
Insurgentes e esquecidos na memória...
Desmedido tempo,
Medidor do tempo de qualquer...
Devorador do tempo de qualquer...

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Anúncio poema

Ela procurava um chão;
Não um chão qualquer,
De revestimentos foscos ou brilhantes,
De gramados bem aparados ou erosões;
Ela procurava um chão,
De mosaico movediço,
Acolhedor de passos e danças,
Coreografados de última hora;
Ela procurava um chão de fronteira,
Que levanta e afunda,
De sentimento de queda e escalada,
Elástico,
Um pêndulo em forma de chão;
Procura-se um chão movente;
Ela escreveu no sétimo chão,
De um prédio qualquer,
Num chão sobreposto,
Com um pé posto,
E outro em balanço de pensamento...

terça-feira, 7 de abril de 2009

Vira pulo

Quem disse que gato não tem medo de altura? Quem disse nunca se deparou com um felino autêntico. Felino mesmo é aquele que sobe cada vez mais, sem saber como vai descer. Aí é uma choradeira, uma 'miação' dos diabos e aquela pata indecisa. Tem que pegar cadeira, escada, fazer gracinha com voz fina e mansa pra ver se desce. E não desce mesmo; só vê a altura quando está no alto, de baixo acha que é brincadeira. Felino é assim; não pensa pra subir, então sobe feito virasse pulo, e quando assusta está lá no barranco perigoso, com a visão do nada lá em baixo, do nada que é seguro. Por isso chora, mas não resiste; ah... não resiste a agonia encantadora da subida, vira pulo o danado. Foi assim com a gatinha grafite. Acompanhou a mãe no muro, viu árvore de galho bambo, subiu. Ficou o dia todo de castigo, miou...Em vez de descer, subiu mais...Veio o resgate. Agora se acomodou no muro, mas o trauma passa e ela vira pulo de novo.

A moça, o florista e o mendigo

A chuva descia copiosa e escorria pelo toldo da schin, bem na porta do casarão da seresta, na esquina da praça. A moça, o florista e o mendigo se encontraram lá debaixo; um na expectativa do lanche prometido pelo funcionário da casa de materiais de construção; os outros somente na contingência do tempo cinzento e chorão. Enquanto a água caía ao montes chegou o pastel de carne moída e o café quente; ‘cuidado, tá quente demais, não vai queimar a boca.’ E a carne do pastel escapava pelos intervalos de dentes, pela ansiedade do alimento, e caía no chão, e o café descia quente mesmo pela goela ressecada. A moça se virava só em meio círculo, reticente, sem saber se comovia-se com a cena da refeição partida perdida pela debilidade dos membros do mendigo, ou se entrava logo e molhava toda feito criança do sertão em chuva morna, quase ouro do céu. E o florista? Esse tinha calma; sabia que algumas pétalas não resistiriam aos arroubos do vento e da tempestade. Esperava o destino do tempo.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Coisa difícil

Oh coisa difícil essa menina gente! Te juro Juninho, já fiz de tudo. Já olhei com olho de quem diz oi e outras coisas mais. Já esbocei até na boca um cumprimento que não saiu. Já balbuciei ei vizinha! A danada olhou e não olhou; respondeu nadinha, e eu fiquei com aquela decepção. E a cara de quem deu manota nos dias que se seguiram? Oh gente! Dá pra entender não...somos vizinhos...chamo todo mundo de perto assim; oi vizinho, oi vizinha... Outro dia desses tomei foi coragem mesmo...Tinha festinha lá em casa. Pensei; vou lá e convido; pronto, acabo logo com isso. Tomei umas, até que poucas, mas deu uma coragem...Ela mora quase em frente. Saí de manso, atravessei a rua, bati a campainha uma, duas, três, quatro vezes...Já passavam das dez, era sábado, a luz tava acesa. A menina não veio, veio foi a mãe. Tive que convidar a mãe mesmo e quem sabe mais 'alguém' que estivesse por lá... Bacana a mãe dela; bateu ‘lero’ comigo, falou dos problemas de casa, dos vazamentos persistentes na rede hidráulica, no cansaço. Resultado; não iria, ficava pra próxima. E a menina nada, deu nem sinal de vida, a mãe disse que já tava dormindo. Oh dificuldade...Da próxima cumprimento de novo...Já falei com a mãe dela né? Agora acho que ela responde...será? Aí nem vou precisar ficar olhando de viés, atrasando a entrada no portão pra olhar e muito menos ficar virando pra trás. Cumprimento e pronto. Ela responde, converso e quebro o ‘encimesmamento’ dela; oh se quebro... e acabo com minha cisma...será Juninho?

quinta-feira, 2 de abril de 2009

'Quietinha'

Acho bacana gente assim; ‘quietinha’ como vocês...Como? Por quê? E chega o ônibus antes da resposta. Aquela observação soou como um veredicto incômodo. O que ela quis dizer afinal de contas? O que na sua aparência denotava quietude? Quem eram as outras pessoas do 'como vocês'? Achava-se despojada; simples no trajar, cara limpa, unhas limpas sem tintas, pés bem assentados no chão; enfim, nada que indicasse quietude, talvez uma inquietude branda. Mas a senhora, apinhada de sacolinhas e suporte de madeira para cortina, de cigarrinho na mão a deixou incucada. O que ela vira? Terá sido a sombrinha nas mãos na antevisão da chuva, que iria mesmo cair? Ou as faces sóbrias ‘mentirosas’ a esconder nuvens de tempestade? Poderia ter falado qualquer coisa, mas se chegou no ponto cego, impreciso de toda sua existência. Pertubou e se foi sem explicações, sem ponderações...Deixou aquela assertiva posta, quase imutável. Então ela era assim; ‘quietinha’, irritantemente ‘quietinha’...