quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Dona Tereza

Com seus olhos azuis pequeninos ela adentrava todos os dias a sala de fisioterapia. Irradiava risos por todos os cantos daquele lugar, feito um anjo levado, cheia de histórias macabras, eróticas e até singelas. Ninguém diria que já alcançara, aliás, já passara dos oitenta anos, tão vívida era sua presença, de jovialidade incandescente... Certa vez contou de seu tio de Muriaé, criador de porcos. Este morrera de pescoço decepado num acidente de Kombi, e os porquinhos todos rolaram pela estrada...’uma tristeza’, dizia ela. ‘Tiverem que costurar a cabeça pro velório...’ Outra vez contava das paqueras e do casamento que já ia nos seus cinqüenta e oito anos. Brincava com seu jeito zombeteiro, ‘Mulher tem garantia, homem não’...Tanto que de vez em quando alardeava um flerte na esquina com um moço bem moreno e cativante, depois concluía...’sou casada’...com aquele pesar de moça namoradeira. Dificilmente haveria em tão dura idade, quando as articulações se colam e os músculos se ressentem, alguém como Dona Tereza, a fazer gente rir todas as manhãs, tamanha a espontaneidade, o vigor. A despeito de seus tendões do ombro rompidos, doloridos, ela era a única ‘paciente’ a não reclamar do gelo tópico no inverno, talvez porque o gelo se tornasse líquido morno rapidamente em contato com a pele dela. Ela era adaptável, dobrável; a rigidez não se fixara em sua alma. Lembro-me do seu toque carinhoso em minhas mãos e no meu rosto; as jovens mãos de Tereza ávidas por carinho, cheias de vida.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Beatbrasilis 5



Queridos amigos que me lêem, que me vêem assim pela escrita; acaba de sair a 5ª edição da revista eletrônica Beatbrasilis´, textos bacanas e três pequeninos meus! Será um prazer uma visita de vocês no,

http://www.beatbrasil.blogspot.com/

Abraço grande a todos!

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Elas em Pirambu

Quisera um dia poder voltar ‘praquele’ lugar no meio de mar, no meio de rio
Quisera poder balançar na onda e repousar na calmaria daquele entre
Em meio a barcos pesqueiros, barcos de gente peixe a enredar, terra de gente cabocla contemplativa
Quisera voltar a ver as casinhas em fileira cor de fumaça de gota suspensa, quase miragem
Da baixa areia beira mar avistar aquele romper de mancha d’água em guerra pra ir pro rio, pra ir pro mar
E o rio a se misturar com mar sem o sal se desmanchar, riomar de gosto forte,
Marjaparatuba, Japaratubamar
Ela e mãe em Riomar entrelugar a festejar
A nadar, A caminhar, A admirar...
Elamãe, Mãela em Riomar...

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Qual era a música?

Ela deveria estar em outro lugar, mas não sabia qual. Não havia desejo preciso no pensamento dela, mas a sensação clara do lugar errado. Sempre se sentira assim em lugares errados, porque não os escolhera, não os desejara de fato, fora a eles apresentada, ficara; e uma vez assim neste estado de ficar sentia grande dificuldade das despedidas e de que os outros lugares também não fossem os lugares certos, ao menos por algum tempo. Então ficava e se admoestava por pensamentos de ir, enquanto seu corpo não movia e a sensação de lutar era antes uma falta de revelação incontida que um manifestar evidente e necessário sob os olhares de incompreensão. Ah...ela lutava por ir enquanto ficava; era sempre assim; esse ir por dentro que não ia por fora, e o tempo em vertigem sobre o abismo do mundo e da alma. Ela sabia que ele, o tempo, era o motivo exato de tanto pensar em ir, posto que se não fosse poderia não haver mais tempo. E ficava esse ressoar de fala em caverna dentro da cabeça; vá, vá, vá...Uma caverna apinhada de morcegos pendentes, cegos de visão e visionários do som. Ela sabia que havia uma música qualquer que devia ser a música dela, mas os ratinhos voadores não faziam concerto; somente alternavam a expectativa de uma seqüência de sons. Ela tentava em vão escutar o seu som, porque as notas não tocavam harmônicas e sequer faziam dissonância rara a repetir de tempos em tempos. Ela só precisava de um sinal sonante ou dissonante, qualquer sinal de ir pra outro lugar sem medo de não estar novamente, como sempre não esteve.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

A Maior Flor do Mundo | José Saramago

Como as 'pequenas coisas' podem se agrandar,
Como as ‘grandes coisas’ podem se apequenar...
Pena, por vezes, termos visão tão nublada...
Pena sermos engano de pensamentos e ações...
Pena sofrer os olhos dessa imaginação invertida, que pouco cria, e quase sempre copia...
Pena escapar o sentimento da imaginação...


quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Não se sabe

Aquela sala de fisioterapia era o exato lugar do passar do tempo, primeiro nos seus próprios tendões e músculos a fadigar, depois naquelas imagens já antigas a resmungar dores nas pernas, dedos em cãimbra, colunas em ardor, pelves em desalinho. Seu problema parecia simples; disseram-lhe ser coisa de tecido mole, um tendão aborrecido a queimar o calcanhar, a relembrar uma dor de infância, que tinha dentro do osso, assim lembrava. Antes, disseram-lhe que era dor da perda, da separação, da falta quem sabe. Agora, atribuíram às dores a sua anatomia cava dos pés. Talvez seja esse fosso nos pés que guardava tudo, pensava. Mas na perspectiva médica era um mecanismo normal de compensações a ser suficientemente remediado com antiinflamatórios e fisioterapia. Dito e feito. Lá se foi ela todas as manhãs em busca da ‘cura’, mas temerosa de que estivesse a esconder um presságio da alma, do coração. Contudo o tempo que passava com a doutora (assim diziam as mais velhas) era agradável, posto que vinha cheia de acalento em panos quentes, massagens vigorosas e delicadas e aquelas conversas de gente velha nada velha, só nos ossos e nas carnes já gastas. Percebera que a antiguidade se renovava, e algumas, até irmãs e carolas, diziam da igreja, dos padres, mas diziam também das patroas italianas a fazer um filho enquanto outro nem havia começado a andar. Diziam da lavoura, da política inacreditável. Diziam de tudo e menos da dor. Perguntavam-lhe, tão moça e já aqui? Concluíam que dor era coisa de ‘jovem’ também; consolavam-se? A sala era acolhedora, a doutora talvez na metade do tempo, no entrelugar da ‘moça’ e das ‘velhas’, contava histórias, ouvia histórias, lembrava o passado, antevia o futuro? O calcanhar ia aos poucos revelando novas sensações, não se sabe se de cura permanente, ou de dor que vem e passa, um aviso da alma.

Espero...

‘Você espera alguma coisa de mim...’ ‘Como?’ ‘Você espera alguma coisa de mim...’ ‘Não, espero tudo...não espero alguma coisa; espero o tudo que cabe muito, que cabe qualquer coisa, até o nada, mas todos juntos na cadência indecifrável e necessária do humor e da circunstância que não anula em nada o bem querer. Espero suas certezas, suas incertezas, suas contradições...Espero um sorvete no banco da praça, chegadas ao luar e no sol a pino marcadas e não marcadas, presença de pensar, qualquer plano que não seja eterno e longíncuo, mas terno, simples e próximo, plano de ficar, plano de ir a qualquer lugar. Espero absolutamente tudo e tenho tudo pra dar-te também, mesmo meu vazio, minha dúvida...mesmo meu sentimento confuso por aprender...Espero tudo porque não compreendo nada que não seja tudo, que tudo é presença de qualquer forma cabível e incabível, tudo é conciliar, tudo é compartilhar, tudo é testemunhar...Não, não espero alguma coisa...que não há marcação específica no tudo que contém tudo...porque tudo é inesperar cada dia...porque tudo é ousar completude em face das partes...porque tudo é amar...

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Lamento

Lamento não ter a leveza dos loucos...Lamento não ter a dureza dos arrazoados...Lamento por me perder entre espaços de motivos alheios, que terminam meus, que no fundo são meus, e que me lembram do esquecimento tão necessário ao bem viver, que retorna como lembrar perturbador...Poderia simplesmente apagar os motivos da razão diante da emoção, da emoção que faz tudo tão terno e raro, tão belo... Lamento querer amar tanto e me confundir entre a entrega e o disfarce; que disfarce é coisa custosa pra mim, porque não aprendi camuflar sentimentos, confusões em mim...Lamento que me vejam assim tão frágil em perfusão de frases contraditórias por razões e desrazões tão muitas...Lamento que não compreendam lamento meu de momento que dura eterno no sentir...Lamento ter encantos quebráveis, que encanto é arte de desencanto submerso que vem à tona pra respirar e vazar pelos olhos de lágrimas, e pela boca a escapar coração...Lamento...Lamento ser oscilação tão clara, tão fatal...Lamento...Lamento....