sexta-feira, 29 de julho de 2011

Epílogo Arco Solidão

Após ouvir de você tantos descalabros, ponho-me ferrenha a defender-me como K. ou como qualquer outra figura feminina, que antes de desejar os ouros, desejou o ouro maior da cumplicidade, do afeto além do desejo, mas contaminado pelo maior desejo que houvesse.

E qual seria este o desejo, o maior? Essa percepção do outro em si nesse espelho de reconhecer que a muitos pode parecer grotesco ou ameaçador, mas que é a única razão de existir. O não ver o outro como outro, mas como parte de si próprio. E tanto me foi negado esse desejo, que os ouros então vieram fazer companhia por pura solidão de tanto encontro negado.

Se sofres de solidão meu caro é porque não foi raro nesse reflexo de mim mesma, mas se pôs a espelhar-me da maneira enviesada de quem se defende de fantasmas de outrora e desse hoje desatino. Não me culpes por essa natureza maligna, medieval, pois sou somente contradição benévola, vontade de saber-te qual uma cientista, vontade de sentir-te qual pessoa comum.

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terça-feira, 12 de julho de 2011

Textos eles

Era uma nuvem a esfumaçar por toda lembrança dele. Um certo ar de dia desértico, quase a soprar um vapor morno, acolhedor, mas modorrento, como a cozinhar memórias, palimpsestos. Ele era um texto, ela também. Faziam textos sós. Faziam textos juntos. Textuavam pois, em versos e prosas, em peles por conjunção em verbos de amar, amigar, sofrer também. Os textos se conheciam. Os textos se digladiavam. E vinha um susto de incompreensão de gramáticas e vocabulários de emoção impensada; pensada também. Ah como textuavam por caminhos de textos registros, textos pensados em registros, no após, no deglutir e fazer o texto sós, fazer o texto juntos. Em todo lugar que tocavam também se fazia texto de acalento e desejo. Eles eram como meninos do dedo verde, mas o que tocavam virava mesmo só texto em silêncio e grito, um linguajar próprio e universal, um dialogar e romper, por ponto, vírgula, ponto e vírgula, dois pontos. Tiveram que fazer pontuações em seus textos para dirimir os conflitos, acertar o entendimento. Abusaram das interrogações e exclamações para enfatizar o teatro que é o próprio sentimento e dúvida. Fizeram tantas reticências...reticentes que eram... Também negaram toda pontuação a emitir gemidos e grunhidos, que eram o mais apropriado texto por certas horas. Textos eles foram, textos eles são e sempre estarão um texto qualquer.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Acaso vistes o ocaso?

Acaso vistes o ocaso? Como foi breve naquele dia, num piscar de olhos. Dessas transições pequenas no tempo como a fundir dia e noite. Naquele intervalo de sobreposição os cumes dos prédios quase alcançavam aquela montanha a circundar o vale. Estávamos assim, entre montanhas e arrancéus e menores, apenas arremedos de morar, afundados, mortificados pela altura do relevo e pela engenharia humana. Estávamos assim, trancafiados sob luzes artificiais, enquanto o sol frio e brilhante de inverno fazia raios de aquecer, lânguidos e queimantes, até se despedir. Foi então que veio a noite do eclipse com lua de dentro em moldura rosada a escapar. Foi então que seu coração num disparo de conduzir aquele sangue coagulado teimou em querer parar. O caminho era de tempo curto como o ocaso, mas tempo não deu. Não deu pra se despedir da lua branca que por hora estava sumida. Não deu pra dizer do amor que fervia por dentro e de toda pressão cavitária a anunciar a morte. Acaso vistes o ocaso? De dia com noite deu, de vida com morte não diria que deu. Com o ocaso veio esse mundo de nada que alguns supunham de tudo. Gúnnar vivia já cansado de tantos ocasos em desalento. Disseram de chofre em uma consulta cardiológica que não havia tanta força mais em seu coração e que seu sangue assumira lentamente um aspecto viscoso, daquilo que teima em petrificar. Talvez virasse estátua, um deus de amor no ocaso naquele vale de cimento a avançar. Quem sabe todos os ocasos valeriam. Mas não, seria enterrado como qualquer um e quem sabe em sua lápide colocariam alguns de seus versos mais amorosos, ou angustiados, ou injuriados. Qualquer um que fosse. Ajuda; gritava a moça sobre Gúnnar caído na rua em descida. Ela tateava os números no seu celular sem saber escolher entre o chamado e a acolhida do ocaso. O rosto um pouco avermelhado, os traços em labuta; o nariz de ventas alargadas a pedir ar, os olhos castanhos de sobrancelhas espessas a querer ver, os ouvidos a ensurdecer. Naquele momento todo o aparato biológico de Gúnnar se punha a certificar de suas percepções e ilusões, tudo era claro por instantes; por outros, era uma camada densa de poeira de pontos cintilantes a plainar e escorregar como a brincarem de pássaro e criança. Eram assim seus últimos suspiros, de vôo e brincadeira, enquanto a ambulância chegava resfolegando também com sua sirene infernal, tal qual uma trance entre o dia e a noite, entre a vida e a morte. E a moça constatou depois daqueles saltos sobressaltados do peito pelos paramédicos, o peito desaninhado, dolorido; dera-se o ocaso.