quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Cena Mal Dita

Aos meus sentimentos dou impropriedades do dizer;
Subverto as expressões como se nelas não houvesse a lógica da objetividade;
Perco os significados dicionarizados, encalacrados de assujeitamento;
Confundo-me no instante de compreender;
Questiono-me, questionas-me por isso;
Pela falta da imediata compreensão de mim mesma e do outro outros por meio do verbo e do substantivo, nessa única tradução possível para o sentir;
Das palavras em arbítrio;
Incompreendes-me, e culpo-me pela pouca perspicácia;
Volto tantas vezes a refletir a linguagem misturada à natureza,que submetem o mundo;
O meu escasso mundo de fazer palavra onde poderia haver só ação a revelar o instante;
Quis dizer da cena, pra dizer do detalhe, não da superfície; e falei na angústia de fazer-te ver a intensidade que procuro no meu linguajar insuficiente;
Para dizer que só consigo ver sentido no encadeamento dos pormenores, na soma a fazer cena;
Mas eu também, como mero detalhe que sou, faço apenas a composicão do cenário; não tenho o controle exato dele;
Sou componente da peça maior que me convém e não me convém por estar, muitas vezes, fora da lógica da razão;
Pensei em todos os pequenos mínimos gigantescos de compartilhar;
No desnudamento que desvela qualquer alma entorpecida pelos pressupostos de existir;
Fiz com eles todos um cenário pra lembrar, pra montar uma peça de dizer amor.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Face em tato

Ela percebera-se sem face. Subitamente seus sentidos ,manifestos nos traços, decaiam e se rebelavam contra qualquer expressão bem vista ou mal vista. Era uma involução de qualquer comportamento expresso, como se uma maldição a rondasse; a ausência de face. Os cheiros a sumir no nariz diminuto; os gostos a se perderem na boca invertida, fechada pro mundo; a música dos instrumentos e das vozes a bater em ouvidos de orifícios colabados; a visão, dada a parcas sombras, como alcolizada. Só o tato vigorava, na sua ânsia desesperada por sentir o som da superfície, como a buscar qualquer profundidade. Suas mãos eram como sanguessugas a sorver sangue, suores, ou qualquer outra fluidez que denotasse vida. E toda aquela transformação de perda, era um ganho de sentir a escultura da vida em reentrâncias de encanto e assombro; solos úmidos e arenosos; peles em paz e desatino. Seu corpo também se avolumava de tantas impressões em registro no tato, que gritavam na alma de um rosto sem face. Depois, a face não importava tanto, senão os terminais nervosos de seus membros superiores que pareciam agora ouvir, cheirar, falar, ver. Sua face reapareceu na forma de mãos. Toda sua face era uma mão em apego, em chamado, do dito em movimento, do gesto que a face escondia.