sexta-feira, 22 de junho de 2012

Turbulências

Poderia ousar, insistir sobre as tantas complexidades de sentir que a envolviam, até das insensibilidades, dos momentos em que uma vaga qualquer se interpunha e os significados sumiam. Mas todas as vezes que se postava assim nesse movimento pendular entre o sentimento vivo e a ausência encontrava um labirinto, um entremeio no estilo processual, instável e subitamente lógico de tudo que “sentifica” e nega também a existência quase sempre imaginativa, criativa, que transborda a realidade. Tudo por conta desse sentir em significação, nada mais que a percepção em emoção, transmutada na imprecisão, na vã tentativa de explicar o estranhamento e sua falta, dada a sua subjetividade imanente. Era dentro que tudo se dava, numa interioridade sufocante a carecer de um estômato, de uma tranqüilidade vegetal que fizesse uma troca sutil com o externo tão indecifrável, o qual ela arrogantemente sonhava submeter sem verdadeiramente compreender. Assim, ela se colocava na dianteira e no final da fila a cruzar os olhos estupefatos naquela composição de linearidade falsa, de complexidade escondida de todos os fatos narrados, das histórias classicamente classificadas de trágicas, comedidas, hilárias; uma aflição permanente das categorizações estáveis, de tudo que a fazia sumir, sair do lugar sem encontrar outro; turbulências.

sábado, 2 de junho de 2012

'Anunciada'

Quase adentrou o cômodo, a sala de visitas, com aquela sua maneira sorrateira, de quem, quase sempre, recolhe-se no próprio quarto; uma existência discreta, sutil. Insinuou-se na quina da porta em uma noite dessas, cruzou os olhos da sobrinha esparramada na poltrona e anunciou: ‘morreu o Pedro B.’ ‘Quem?’ ‘O da padaria onde compro pão. A moça, a filha, está chorando. Ouvi da minha janela.’ ‘Estava doente não é; hospitalizado já?!.’ ‘Sim, estava, mas foi de velhice mesmo.’ Era assim; todas as vezes que recebia a notícia de uma morte nos últimos tempos. Parecia recear o anúncio da sua despedida. Ficava contrariado com o decreto que vinha com o envelhecimento; o certo fatal, a morte que espreitava todas as pessoas de sua história, conhecidos, íntimos e familiares. A velha e sabida máxima ‘quando novo não se vai, de velho não se escapa’. Não deixava de ter sua graça esse seu jeito de dizer como a exigir do outro esse compartilhamento da decepção diante do fim, do término que de fato era um ponto desprezível diante do acúmulo das lembranças de vida. E assim morre o homem na tentativa de ser, ainda que tenha até o último instante de decadência física, grato pela saúde da consciência tão gabada por todos, mas no fundo sonhando a insanidade, por pesar imenso de ver ‘a morte anunciada’.