quarta-feira, 18 de julho de 2012

Sem fim: um pouco sobre On The Road

Em que lugar vai dar aquela estrada sem fim, de curvas pouco sinuosas, declives e aclives suaves a penetrar a vegetação árida, por vezes nevada sem deixar nunca a aridez? Seria na verdade a secura da alma a verter toda sorte de encontros imprevistos, de digestivas indigestas substâncias alucinógenas? De amizades e amores parcos e loucos por anunciarem sempre o fim, ainda que houvesse sempre um trago a mais que sorver, o final do fluido ou o início quem sabe, na dúvida permanente do copo pela metade; prestes a acabar ou a ser preenchido? Um novo encontro, embora sempre velho. O livro On The Road, de Jack Kerouak pareceu-me assim, mas diferentemente do filme recentemente visto ao lado da minha mãe, traz uma compulsividade infinitamente mais frenética, uma loucura imanente e iminente, enquanto o filme resumiu-se a retratar crises, pequenos clímax do livro diante da estrada sem fim, quando, é claro, a imagem pudesse render algum tipo de assombro ou exotismo, sem exageros, devo admitir. Asseguro que minha mãe manteve-se aparentemente com o olhar fixo na tela; penso que queria perscrutar a próxima curva, onde ia dar, para depois me dizer se alguma chegada valeu. O manuscrito é como uma montanha russa; uma monotonia sórdida, natural da vida de qualquer um, e uma súbita busca indeterminada, do incompreendido apenas para alguns, os mais ousados ou porque não dizer alucinados categóricos, ilegais. Curioso é como os lugares retornam e são sempre obrigatórias passagens ou chegadas triunfais, repletas de expectativas. Os lugares têm vida, os personagens querem viver ainda que custe a morte. Esqueçamos da alucinação alienada, legal, mas sem esquecê-la totalmente. O mundo ‘paralelo’ do ‘autor e seus ‘comparsas’ nem mesmo hoje soa como natural, pelo menos para os conservadores, para não dizer a maioria que nos rondam. E aonde fica a sobriedade que resguarda a sobrevivência digna, ainda que indignamente tristonha? Como encontrar em meio à realidade de dentro e de fora essa alucinação legal, saudável e asséptica? São essas perguntas que Kerouak fez nas entrelinhas. O diretor Walter Salles deu seu recado, dada as limitações da adaptação para um obra tão repleta de movimento; ou ficava na estrada ou ficava nos lugares ou ficava nas pessoas. Precisou fazer os três e perdeu a profundidade até mesmo da superficialidade em alguns momentos. O tempo exíguo deixou o manuscrito sem grande expressão na tela, mas digestivo. Bonita fotografia, jazz, bop, blues; negros fabulosos, virtuosos na voz, no toque instrumental, na dança. Menos que no livro é claro. Não deu tempo para tanto sexo, drogas e rock n’roll. Minto, talvez um certo desequilíbrio a favor das sessões alucinógenas. Mamãe não teceu grandes comentários. Adolescente nos anos setenta, nem de longe soube o que significava beat, hippie. Foi apenas uma moça interiorana com rebeldia escondida. Acho que continua rebelde latente. Penso que ela não acharia mal ir pela estrada sem fim.