sábado, 13 de outubro de 2012

O cheiro

Cheiro remete a lembranças. Boas ou ruins, foram muitas reminiscências a revelarem-se sob a forma olfativa nele. Mas seguramente, desta vez, o cheiro veio mais forte, pesado, metálico, o que de fato, fizera com que qualquer relação com sua memória se fizesse irrelevante diante da densidade miasmática que sofrera naqueles dias. O que mais o indignava era a solidão daquele sentido, daquele olfato, que embora fosse constantemente anunciado, não era acolhido. Ninguém mais sentia o tal cheiro na casa. Então ele tergiversava sobre as possibilidades daquelas improváveis insensibilidades. “Talvez já se tenham acostumado tamanha a impregnação do cheiro.” Havia realmente uma oficina por perto, onde com freqüência parecia serem processados metais, soldas e arremedos metalizados. “Mas viria mesmo de lá o cheiro? Insuportável!!! Inadimissível!!! Irrespirável!!!” Era quando saía de casa já com a triste sensação de voltar e sentir o cheiro novamente. Já não seria sentir, seria respirá-lo, posto não haver sequer chance de distinção dos outros cheiros, outras recordações. Tinha uma breve sensação de loucura, pois que o cheiro era irrevogável e poucos sentiam. Curiosamente, o que era motivo de pensar e lembrar, o cheiro, embotava esses verbos memoriais e o empurrava para fora num expirar ofegante e num fugir de casa a vagar sem hora de retorno. Até que finalmente, seu irmão vindo de outra cidade percebera o cheiro metal e confirmara seu caráter detestável. “Não, não estava louco.” Mas após esse alívio parcial de loucura ‘inconfirmada’, o cheiro odor permanecera. Era onipresente, tudo via, tudo sabia, porque estava em todos os cantos a transgredir a sublime natureza daquilo que se incorpora ao ar, os aromas que se diluem com a brisa. A toxidez do cheiro invadia as narinas e escorria pelos seios da face até encontrar o caminho do gosto. Cheiro e gosto faziam par. A audição da memória e da realidade ensurdecia. Era o cheiro fazendo morada, cilada. Era a vitória do cheiro diante dos inúmeros horizontes dos sentidos, quase um ecoar de limites impostos, uma metáfora assustadora para uma realidade inflexível, o cheiro...