quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Flash Revelador

Aquele dia não fora como os outros. Fora com encanto como não poderia deixar de ser, mas tivera uma fúria; não saberia dizer se por uma ideia qualquer de despedida, ou uma abstinência de longo tempo. Sim, de conjunção carnal, destas que rompem a delicadeza do gesto, no esquecimento do outro, não por maldade; a ela pelo mesmo não parecia. O próprio sentimento do egoísmo não é forma que se condene, posto serem todos quase sempre egoístas ou eminentemente egoístas. Difícil sair de si e olhar para o outro, guardar um espaço no pensamento para vislumbrar o exterior que pode se revelar tão profundo, tão inesperado e assustador. O que vai por dentro é sempre ânsia de si, sendo assim, egoisticamente forjar o de si para si nesse instante que poderia ser muito mais troca já deixou de ser contingência para se tornar habitual; um cotidiano cego. Nem ela nem ele estavam a salvo, eram reféns do pensamento fixo de si para si, nessa alternância de quem se confunde no desejo de entrar e sair, com a crédula vontade de estar nos extremos para enxergar melhor, como se o meio não fosse infinitamente mais exato, o ficar na fronteira. Assim, era o sexo, esse diálogo mudo de buscar uma satisfação infinita ainda que por momentos muito mais na fuga do que no encontro com o outro. Fora assim, uma violência consentida, para ver até onde iria esse furor de si; uma luz para ver melhor, um quadro para criar uma visão mais clara do de si, para que não houvesse sempre confusão. Não se tratava de possessão ou admiração mais, era uma análise inicial após tempos de cegueira visionária, pois que cada escuridão guarda iluminação, embora não se saiba exatamente o que se ilumina, onde está o foco, o flash revelador.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Povoar é amar

Talvez seja a chuva chorando meu exílio próximo. Talvez um livro sacado da estante da livraria por palavra e coincidências obscuras, inexplicáveis. “Tempo de delicadeza”, de Afonso Romano de Sant’Anna, veio assim para presentear de supetão e caiu-me na mão para falar dela mesma, a delicadeza, antes da sessão d’Os Intocáveis no cinema em companhia de minha mãe e minha prima. Hoje escuto a chuva e rememoro esse tempo de indelicadeza. É, por certo, culpa dela, o desamor. É culpa dela a colonização que dispersa o delicado povoamento, daquele que chega de manso, ‘primeiro nos espaços públicos’, como diz Afonso, para depois povoar a casa e o corpo contido nela, seus estranhamentos e nuances. Fui indelicada em não socorrê-lo diante de tamanha dor de cabeça naqueles idos do início de tudo. Dispersei-me no indelicado modo de negar o ânimo para qualquer momento de conviver. Por ser terra, floresci o que havia em mim de sôfrego e me pus a queixar. Deixei-me colonizar como terra que se descobre sem que as riquezas sejam conhecidas. A indelicada colonização. Tentei colonizá-lo também, em vão, pois você já era o colonizador por já ter colonizado outras terras. Quis também povoar você e não consegui. Irritei-me com a sanha de poder ser algo como encanto para você, enquanto você me colonizava, desatenta e indelicada terra de ninguém. Agora ainda é sua terra; mas hoje há nela ‘veias que se abrem’ a verter um líquido pegajoso e tinto, frações minerais mercuriais que pretendem lavar o ouro, mas só conseguem juntar-se a ele nessa imprecisão. Nem sei mais se há riqueza nessas terras, aluviões?! Apenas penso que fui indelicada, por isso, pouco restou de você em mim; sempre há outras terras a colonizar. Agora povoar carece paciência, quase acanhamento de entrar pelos limites entre a porta e a rua, uma cerimônia só sentida por dentro. Povoamento carece delicadeza. Despi-me inadvertidamente, crendo que colonizar não doía tanto assim, mas restou pouco daquele verde imenso, habitado e lúdico. Nem sei se ainda é deserto, mas talvez um cerrado a caminho da caatinga, com suas tortuosidades, plantas salvadoras de reservas hídricas espaçadas, a florescer com custo. ‘Um deserto vivo?!’ O custo de colonizar, indelicadamente colonizar. Almas são terras vivas de plantar e colher com a cadência de cada tempo, povoar. Povoar é amar.