domingo, 11 de agosto de 2013

Balanço

Estivera pensando; se tudo aquilo que sentisse fosse por completo compartilhado talvez não parasse e vislumbrasse a realidade daquele sentimento. Estivera seriamente pensando sobre isso e suas tantas implicações, nesse emaranhado de dependências e expectativas por onde caminha a humanidade. Sim, estivera pensando nesses amores arrebatados vividos até o esgotamento, até vir de súbito uma antipatia matutina, um desejo de descansar. Nesses padrões fixos de relações de amizade, de paixão, de empregabilidade, de nacionalidade. Estivera pensando tão seriamente, que a custo chegaria a uma única conclusão, mas por sorte percebia que a continuidade produtiva não passava por contos de fada, por certo fáceis de se extinguir, nem por sólidas relações de qualquer espécie. Estivera pensando sobre os intervalos, férteis intervalos dados a pensamentos e, sobretudo, a faltas refletidas em lembranças boas, em detalhes sordidamente encantadores. Estivera pensando tanto que se cansava, cansava-se do círculo em que rodava a procurar uma ponta qualquer de sentido no começo e no fim sem fim, até se perder no círculo e rejeitar toda e qualquer categorização espúria e gelatinosa. Estivera pensando nesses laços perdidos em todas as vidas, nos feitos também e desatados e refeitos e consumidos e inibidos. Conclusões não saltavam, não se alinhavavam, não teimavam e nem fugiam. Vinham uma a uma e iam uma a uma pra dizer talvez do momento presente, instável, quando tudo se fazia e se desmanchava. Mas era difícil esse desfazimento; a força de fazer cotidiano era indelével marca do humano?! Não saberia dizer, pois que abominava a rotina e a buscava incessante, ignorante dos malefícios dela, repetição irrefletida. Quem sabe um meio termo?! Equilíbrio idealizado, mero falsete, ramalhete de flores plásticas. Definitivamente não era possível esse meio termo estático, senão um esbarramento qualquer, luz no fundo; e depois?! As pontas sem pontas do círculo teimoso das categorias, das identidades, das amabilidades forjadas, das tristezas consentidas por motivos ignorados, das alegrias representadas, dos vazios escondidos. Insensatez pensar, mas estivera pensando. Mais apropriado seria agir e não pensar, alguém diria. E aí, restaria o julgamento do passional agir, o cúmulo da natureza a macular a humanidade dada ao racional. Assim, paralisava em pensamento a tentar entrever no mínimo aquela luz do intervalo, quando vinham aquelas lembranças boas, irreprimíveis, naturalmente bebidas feito vinho cremoso e cheiroso, um tontear em fim de tarde enquanto saem as palavras soltas, feito um movimento em gangorra de goiabeira; leva vento, corpo traz; e aquela vontade interminável, não parar de balançar.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Pequeno tratado sobre o arrebol

Que belo colorido tem o arrebol; nenhuma imagem pode causar tanta maravilha aos olhos como arrebol, e à mente também, se nos colocamos diante dele em pensamento e delírio. Aqueles tons alaranjados, rosados insurgentes, e ao mesmo tempo prestes a desaparecer com o clarão ou a escuridão; irônico arrebol, feito um lapso, instante de magia, revelação. Fora naquelas viagens sucessivas que aguçara a visão para o arrebol. Curiosamente ele se mostrou o momento mais indiscreto da natureza, pois que falava sem dizer, exatamente por transitar, insinuar o que começa e o que termina. Arrebol não contém, é apenas estado. Por não ser, arrebol é todo sentir em “anuviamento” de cor que muda pouco a pouco; deslumbra e angustia. E é na estrada que há mais arrebol, pela potência estrada de ponto a ponto, transição; arrebol de tempo a tempo; transição. Arrebol ao quadrado na estrada, imenso enquanto passamos por ele. Primeiro o sol em posição de intimidação, poente. Depois, sol em aparecimento lento, nascente. São dois arrebóis no curso do dia; um duplo enviesado que obriga dormir, acordar, fantasiar. Tem arrebol de mar de água, refletido; tem arrebol de montanha, céu a puxar. Nessa estrada era esse flutuar montanhoso, arbóreo, que se destacava. Os limites de montes tão precisos, as copas de árvores, folhas; tudo muito bem delineado a fazia pensar que arrebol provocava precisão de formas, ao mesmo tempo que as fazia massa uniforme, de um verde musgo indistinto. Era nesse instante arrebol que tudo parecia mais verdadeiro, pontas de árvores rechonchudas e estreitas a perder suas raízes e voar no céu, curiosamente indistintas. E se todo o dia fosse um arrebol?! Se todo dia nos obrigasse a mirar o céu e as formas na tentativa de investigar suas nuances, num momento de relativa cegueira?! Momentos de desatino e acomodação, um após outro...sem dia, sem noite; só arrebol. O que seria?! Ela chegava a pensar que a vida toda nesse instante arrebol se revelava em inteireza, que a lucidez morava nesse tempo de transição, e que o tempo que restava era só embuste, disfarce; essa busca incessante pela identidade, a fuga da transição, daquilo que não se localiza; multiplicidade. Sim, arrebol é a expressão máxima da semente, latente. Fôssemos eternamente arrebol, seríamos potência de ser, alheios aos mínimos e máximos, plenamente desequilibrados equilibristas em suspensão mágica. Alguém já havia chamado a atenção dela para o arrebol, mas nos últimos meses arrebol tomara conta de seus pensamentos e emoções. Queria tratar dele, arrebol, com reflexões exatas, embora soubesse que a inexatidão era o arrebol. Arrebol escapava de análises, pura sensação. Talvez o que deveria ser toda gente, arrebol.