domingo, 28 de dezembro de 2014

Da palavra, Da escrita

Ela suspeitava da insuficiência da escrita desde sempre, até se certificar sobre o fato inequívoco; palavra é bem maior e irrepetível, e irreprimível. Escrita não passa de desejo, intenção de fazer sentido nesse mundo tão subjetivo; esforço de fazer compreender-se, ficção no meio da língua inusitada em permanente processo de interpretação ação.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Gente

A gente é coisa que não se entende mesmo; a gente se sente, não se entende; e a gente que se sente, sente parte, um naco no aparato incerto de ser; porque gente é toda gente, é seres; e a gente é só uma gente nesse mar de gente que se sente.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Desaparecer

Se em dado momento estamos, logo viramos spectro. Se em dado momento mudamos, então somos apenas spectro do que já fomos. Somos apenas luzes que carregamos; somos guiados pelo movimento do desaparecimento dos lugares e das mentes. Os que se lembram sequer nos contam como somos, mas simplesmente como nos perceberam ao passar da luz. As vezes sobra um calorzinho, outras um fogaréu que se apaga, ou ainda um frio de morte.

O que não está

É o que não está que nos perturba grandemente; a palavra que não se diz, o gesto descuidado, as mecanicidades do dia a dia, os porvires inconsistentes, inconscientes, as vidas que se apagam num virar de rua. É preciso uma visão apenas, que grite, mesmo que depois da árvore ela desapareça; desde que renda um poema ou um sentir estranho qualquer que não se apaga. Nesse caso não é sumiço nem rebuliço, é como uma névoa que adentra as narinas, inunda sentidos até virar sonho de lembrança.

Árvore de natal

A árvore de natal da mamãe é feita no cactus. Ela se debruça sobre os espinhos para fazer o cactus florir. Ele fica todo vistoso e ainda guarda aquela água ancestral do sertão, de quem viu carro de boi a moer cana e cabrito raspando restos de ervas na caatinga. A árvore de natal da mamãe é mais árvore para mim.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Por uma ciência poética

Nada contra os discursos acadêmicos; debruço-me também sobre eles e até retiro deles alguma essência poética. Mas de fato são poucos os que transitam por essa vontade de percepção, ciência como percepção. É isso! Toda vez que um cientista se põe a relatar seus experimentos, suas conclusões, prende-se a nomenclaturas aceitas, absolutamente codificadas enquanto fatos precisos. Não demora muito e a ciência cai do barranco em abismo sem fim, porque jamais irá atingir o exato, jamais obterá as condições totalmente controladas; os frutos maduros dificilmente terão o mesmo amarelo ou a mesma vermelhidão. Repetir e atestar em orgulho a vitória do experimento, atinar para congruência dos resultados, parece o desejo mais proeminente do homem para tudo o que faz e não faz. Vencer a dúvida é o que deseja, o sucesso do experimento. O poeta apenas substitui a dúvida pela palavra exata inexata, pelo gesto impreciso, riso não visto, choro escondido. A poesia é o imponderável, incontrolável para o qual não existe nomenclaturas precisas. Uma ciência poética é um passo para o humano que não se pondera, que não erra nem acerta, simplesmente vive o peculiar, o que não se repete.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Planos

Como fazer planos se a existência não passa de uma alternância de sopé e montanha, de água que amansa e faz onda? Como fazer planos, escolher destinos absolutamente improváveis nessa suposição absurda de que alguma escolha é certa e provável? Sim, há como fazer planos e acertar-lhes as arestas pontudas, fingir-se de bobo ante as decepções cadenciadas do dia a dia; montar um álbum de falhas submersas em imagens condensadas de mimetismos de risos e choros de emoção. Do que eu falava mesmo? De planos...tão obtusos; cubos.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Fêmea

Até hoje me surpreende a alcunha mulher, simplesmente porque fêmea cabe infinitamente mais, posto que traz consigo a perfeita definição nominal daquela que gera, amamenta e recobre com pêlos e pele, daquela que se altera por sentidos de proteção e selvageria em acalento; todos os sentidos em alerta. Terminantemente, mulher se presta apenas para delimitar o feminino subjugado no horizonte cultural de ‘minha mulher’. Mulher fala tão pouco enquanto grita a fêmea sufocada em seus instintos de existir, mas principalmente em coexistir em estado belo, natural.

...

Cada vez mais assegurava-se de que ser feliz era esquecer-se, por instantes perder-se no presente e esquecer-se.

Vazio

Desafio maior não deve haver; descrever o vazio e sua vocação de se instalar entre as extremidades; entre dor e prazer, tristeza e alegria, sorte e infortúnio, desejo e desprezo, vontade e desânimo. O incontido no vazio subverte o repleto e o desafia enchendo- se do nada. Curioso esse vazio cheio de nada, incompreensões em desaviso, desafetos sem lastro, amenidades das conquistas, solidões, cactus no deserto, inundações em reservas de alma, e lá fora vazio; miragens de sóis, incontáveis linhas que se perdem; vazio.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

se...se,se,se

"Que deus te dê em dobro aquilo me desejas"; estava lá inscrito no vidro traseiro de um carro de uma rua qualquer de uma cidade qualquer. Esqueceu-se de dizer, ou melhor; preferiu não explicar que o dobro poderia ser de bem ou de mal. Ou melhor; quis deixar claro que a recompensa poderia ser boa ou má, ou que só o bem poderia advir?! Traquinices das frases completas incompletas.

Corpos-instrumentos

E nossos corpos instrumentos concertaram o mundo em chuva de raios luminosos, até cegar a vida e acordar a morte; E nossos corpos instrumentos harmonizaram uma melodia seca, de cadência frouxa, até acordar de novo; E a dança foi de sopros e cordas enviesados feito esconde esconde no balanço irreconhecível para todos passantes; E nossos corpos instrumentos ficaram ali meio tortos, congelados no movimento sonolento de quem se acomoda no afeto.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Tempo...

O tempo voltara a se manifestar naquele exato instante improvável. O tempo que passara voltara para avisar que estava ali em júbilo, perfeitamente assustador. Já não era a primeira vez que acontecia. Dar de frente com aquela figura adolescente, agora de cabelos de algodão naquela mesma escola em dia de pleito eleitoral; ela saindo, ele chegando. Agora ele vinha com uma miniatura sua puxada pelas mãos. Os olhos se cruzaram num reconhecer discreto, mas seguramente revelado na lembrança das outras mãos dadas na oração do pai nosso em uma missa distante qualquer. Havia também os olhos castanhos dele destacados na pele branca, reluzente; olhos castanhos adolescentes a revelar um amor imaginário. Agora era só o tempo que passara e a suposta lembrança.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Soldado

Sempre fora um soldado mal aparentado, meio despenteado, sem farda e botas, com armas imaginárias; Mas sempre um soldado, embora de vestes imagináveis da mente que não discutia ou tergiversava, que apreendia o sentido da ordem, da obediência; Sempre fora um soldado pela exigência de um limite qualquer por medo insensato de virar liberdade; pavor da extremidade do prazer que esbarra no tédio desmedido; Sempre fora um soldado mal aparentado, por bem que pudesse fazer de suas boas intenções; até um dia descobrir não por absoluto, mas quase certo a maldade das boas intenções; Sempre fora um soldado mal aparentado a descaminhar entre a veste e a mente; Desmanchava a expectativa da veste, enquanto a mente em agonia; Até quis pentear os cabelos para esperar a hora marcada de qualquer compromisso; mas descobriu outras possibilidades; Quando alguém não vinha haveria outro alguém por ali em arremedo de distração para organizar a ordem aparentemente desfeita. Sempre fora um soldado mal aparentado a tentar sumir com os relógios em vão, sempre na busca desse tempo irreal que some qualquer ponteiro das vestes de viver.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Sesmarias

Houve um tempo de descobrimento, quando tudo respirava tropical naquela terra de ninguém. Ar quente temperado de torrentes de água; clorofilas de toda cor. Não havia instituições formalizadas, senão aquelas conquistas do dia a dia, o colher que a terra dá, o colher que o alguém planta, as hierarquias consentidas pela sabedoria que a vida leva, do natural que a vida oferece e que gasta o tempo do processo, o tempo da natureza. De repente, aportaram caravelas, naus indiscretas a perguntar sobre o destino das roupas e a duvidar da limpidez do espelho de rio. Quem era rei sem coroa virou alienígena, indígena. Vieram brancos de corpos bem vestidos, oprimidos pelo inverno, deslumbrados com as partes pudendas expostas, o arrepio do vento e os ouros da terra, paus e minerais e cafezais. Começaram então a provinciar tudo, sesmariar a terra, agora de alguéns; o início da fidalguia, oligarquia. Se antes era desmando, banho de rio; agora eram perfumes e laçarotes ao pescoço e pés em solado. Depois vieram uns quaisquer de pele escura pra suportar o escuro dos porões que navegam, dos porões feitorias do branco bem comportado para esvaziar riqueza da terra. Fizeram de todos eles, alienígenas, ocres e escuros, alguma mistura pra dar nome a um tipo qualquer, habitante feito de história perdida. Fez-se então a história de uma terra dividida enorme para alguém imperializar, domesticar. Os anos se passaram e as sesmarias viraram desenho no mapa, compridas, estreitas, largas e finas; enquanto alguns borrões ao norte, mais mato e sertão, sobraram sem nome e diligências. Ainda sobrariam alguns ninguéns a serem recuperados. Por oportuno, os das naus trouxeram anchietas e também atravessadores da riqueza que não se continha. Depois fazendearam tudo, comoditaram o que de comer, sobreviver. Coronelizaram as almas, afastaram os ninguéns da sua cor ocre. As ocas agora viriam enfileiradas, lineares na horizontal e na vertical. A terra de ninguém ficara moderna, com fumaças envaidecidas a sumir antiguidades mobiliárias, enquanto os núcleos se multiplicavam em acordos bem apropriados para não dividir a terra. Hoje, a terra graça a mesma divisão, que se saiba; colonizador e colonizado, rico e pobre; tudo por conta das doações sem lastro fato. ‘Achei, pego e divido como quero, ou não divido, faço onda, discurso raso; peguei, está tomado.’ Hierarquias forjadas na força do leite que falta, do café que sobra, da mente iletrada, desatinada, arremessada no circo, picadeiro de caras em bocas, de gestos acuados, de olhos enraivecidos; tudo pela sesmaria. Fosse possível descolonizar e toda terra voltasse a ser de ninguém, alienígena indígena poderia voltar misturado até com naus em cidadela da memória, talvez nômade, ou à beira de um rio sem que ele fosse secar. A terra daria de tudo para quem quisesse aportar sem sesmariar.

sábado, 11 de outubro de 2014

Grito

Decididamente não era um bom vivã. Esquecera-se de deixar de remoer fatos que agora só restavam na memória. Não havia repercussão alguma deles, senão as reprimendas que fazia a si próprio por ter figurado naquele cenário de circo; as silhuetas flutuantes, as palavras amáveis, os rostos curiosos, a bebida na medida do sonho. Agora adentrava seu quarto a avistara pela entrada do banheiro aqueles ladrilhos de parede. As mulheres se repetiam com sombras e traços indeterminados; retratos nos ladrilhos. Cada uma delas, uma boca em grito; um só olho e nada de narinas. A visão era baça, assimétrica, metades irreconhecíveis de qualquer coisa. O cheiros sumiam até dos perfumes. Por certo teriam perdido o nasal naqueles sucessivos espirros. A boca gritava fundo pra dentro, pra fora; e o grito não saía dos ladrilhos, sufocava.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Arte na velhice

Por certo a infância tinha lá sua graça, as brincadeiras de fazer arte sem saber arte. Mas na velhice com arte, os cabelos brancos, as cartilagens desgastadas, os dentes postiços, são mais infância ainda em fazer arte, uma demência inovadora por consequência do tempo inconsequente, absolutamente abstrato em dissonância com o aspecto físico em deterioração, ressonância de ainda estar vivo pela arte. Há um vício qualquer neste caso da velhice com arte, uma forma de desmerecer a morte; quase um lugar de estar sempre a brincar pela arte. Velho que faz arte se faz criança com arte.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Morreu MPB

Mirou aquela sardinha gigante com cheiro de mar. Guelras absolutamente coradas, olhos brilhantes, carne firme. Olhou fixamente para o aquário do mundo, desfez redoma, fez hipnose musical. Rodou uma MPB, ignorou o rock. A sardinha coitada ficou seduzida pelos olhos vidrados e pela malandragem dos movimentos, meio samba. Foi morar em sua boca felina; pobre sardinha. Nem teve tempo de mostrar seu bebop, seu lamento blues, seu balanço Mick Jagger...

sábado, 27 de setembro de 2014

'Raskolnikov'

Sabia que era assim; uma pessoa ou algum fato seriam fatalmente responsabilizados pela erupção de suas profundezas. Ela estava assim uma Raskolnikov, só que sabia do crime e não compreendia o porquê do castigo. O certo era ultrapassar aquele rasgado do carpete do corredor e avistar o número do quarto; sete passos apenas para a linha de chegada, um alívio para os olhares indiscretos e julgamentos que ela imaginava.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Culpa

A culpa do que aconteceu foi toda minha, e eu não vou me desculpar por ser eu. Vítimas são barcos no porto, perfeitamente ancorados por tempo indeterminado, ou enferrujados, carcomidos. Culpados são barcos em alto mar de velas içadas, emaranhadas ao vento. A culpa foi toda minha. Agora, da sua culpa, eu não posso saber.

Sentimentalidades

Não haveria porque desamar, porque não havia amado, e ainda assim havia o amor pressuposto, imaginado, realizado portanto. Amar não passava de uma ideia compartilhada ou imaginada, aberta aos sentidos vivos; cenas, audição, cheiros, gostos e toques; e aos sentidos esquecidos não haveria de dar importância. Sentidos esquecidos são a reta final; morte, e para quem imaginou ou viveu, eles estarão; os sentidos latentes ou florescentes na raiz da ideia amor. Tudo uma suposição na concretude dos sentidos; afinal só por eles se insurgem existências amorosas ou sonhadoras de amar. Os sentidos ilusionados também vivem, e qualquer desgosto se apaga pela lembrança do momento de sentir. Eternidade é um passo longo e nefasto; sentidos não podem se eternizar senão na imaginação; daí advém a repetição de quem abraça a ideia do amor, repetição com confeitos ou com ingredientes insuficientes; performances inovadores de sentir. O enquadramento geral repleto e descuidado; o close inundado de detalhes, apenas um fragmento. Cada filme do sentido, único. Todo filme uma especialidade; a descoberta dos ombros ou do pêlo indiscreto da sobrancelha. O cenário conhecido de tomadas já visitadas ou a locação recém descoberta, que nunca mais se verá.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Na pele e no fundo

Toda gente, por certo, em algum momento da vida se pergunta sobre a existência do amor, sobre essa realidade cada vez mais parca, quase de infinito desaparecer. Por certo também alguns o cultuam e bradam em alto tom o amor que sonham, que almejam num lampejo de magia. Há outros também que subvertem os sentidos, quase os enganam em relações assépticas, formais no jeito de um rito permanente de disfarce. São faces de tantas interpretações quais sejam as que mais lhes convencem e com as quais se deparam. Certo é que há tantos mais; os divididos, os crucificados, os ilusionados, os usurpados, os esquecidos, os lembrados, os de carne viva, os de morte lenta. Mas de todos esses, e ainda dos que não são por falta de palavras, há os indiscretos; talvez os mais hábeis em forjar o significado da palavra amor. Roland Barthes disse em seus fragmentos amorosos dessa indiscrição, dessa morbidez do discurso amoroso, das peles, dos pêlos; essas vestes que escondem os músculos, os ossos e o líquido divino da vida; dessas vestes que nascem e morrem por instantes. Às mucosas, às peles molhadas Barthes não fez referência, talvez lhes resguardando a viva umidade que escapa ao olhar; ficam reservadas às secreções incontidas, espermas luzidios e inconstantes, salivações amalgamadas de visões e enganos, lágrimas de rios fumegantes tal qual crosta terrestre.

À Deriva

Estamos eternamente à deriva; o mar que nos balança é o mesmo que nos afunda; não há saídas, somente esse navegar sem fim em busca de terra alguma; um frio na barriga enquanto o mar em imensidão nos submete; de vez em quando uma ilha vestida de árvores cheias de frutos e cabanas aquecidas; em outras vezes continentes inteiros a nos sumir por dentro e por fora em um anonimato cansativo e inebriante. E o mar, sempre o mar a levar o barco que somos nós de proa hesitante, de seta equivocada e cheia de si, e vazia de si; um não saber a navegar infinito em busca de coordenadas alienadas, confirmadas em gestos fugidios, silenciadas em ilusões. Nós todos um barco à deriva quase a alcançar um pedaço de terra, uma miragem dissimulada de descoberta.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Deusa

A escrita vinha num fluxo irreprimível...Se não deixava correr rio, a memória não segurava as palavras que viriam; elas, as palavras se distraíam; já não eram as mesmas; os encaixes com os sentimentos e pensamentos se perdiam. O que vinha era assim impreciso, parecia um registro do passado focado no presente futuro. Assim, toda vez que se colocava em escrita, cada instante era único, irrepetível; as palavras e conexões jamais seriam encontradas novamente daquela forma, e talvez a onda psicanalítica, o deslanchar de sentimentos se contivesse nesse mesmo momento pra renascer não sei onde, de um jeito imprevisto. Por isso mesmo, impressionava a ela a capacidade da memória e sua amplitude de descrição ao sabor das particularidades do tempo; bastava um segundo e o dito já era outro e os detalhes já não eram os mesmos. Os registros, por certo, eram volúveis, embora a memória permanecesse intacta nas suas múltiplas potencialidades. Tudo está contido nela, mas só fatias são recuperadas de tempos em tempos...incompletudes...A escrita então era sempre essa parca tentativa de ser memória, a deusa memória.

sábado, 30 de agosto de 2014

...(

O sonho ele carregava sozinho, como o peso de uma névoa, com embaçado nos olhos e a clarividência da mente, imaginação. Há tempos seus olhos turvavam as imagens, doíam; então resolveu chorar e chorar intermitente ao sabor de tudo que houvesse de terno e bruto, de árido e úmido. Tentava suplantar a todo custo aquela secura que cegava em busca do sonho.Foi tanto choro que os olhos viraram rio; enquanto superfície secava os afetos, lá no fundo entre pupila e linha d'água viviam cardumes inimagináveis, corais multicores e ondas de alegria.

Passarar

Por certo, parecia a ela banal aquela pergunta retumbante; ‘qual o sentido?’ A pergunta ecoava e seu coração era sonar; batia a pergunta no oco de sangue e reverberava por todo corpo uma música oleosa, azeitada, um cheiro acre e doce e um tato malfazejo. Sim, a música era um ecoar de sino sem igreja, uma agonia de vila sem habitantes. A cidadela parecia estar abandonada por séculos e também habitada por angústias, seres fantasmas em coro uníssono a repetir a mesma pergunta de sempre; ‘qual o sentido?’ Levara algum tempo a discutir com outra alma perguntadeira sobre a famigerada pergunta. Ela assegurou-lhe que bastava ficar alegre que sentido vinha. Fazia sentido a explicação sobre o sentido. Mas se sentido fosse já não seria sentido; explicado fosse seria motivo. Sentido era apenas sintoma ou causa? Sentido era o que tocava ou o que emanava sem tocar? Onde estava aquela abstração que para muitos parecia tão concreta e a outros sublime, etérea...E se não havia sentido, o que haveria? Ela então mudou a pergunta; por que não há sentido? Por que esta terra ficou desabitada e as flores a repeliam? Não havia garantias de significação no jogo de estar e ser. Tudo se convertia rapidamente em sonho de acordar e dormir; nada soava real. Às vezes vinha alegria, vinha sentido, mas tão breve e inconstante que sentido passarava em céu de estrelas caídas.

...

Cada vez mais compreendia e descompreendia a necessidade das interpretações, investigações sobre as reais intenções, os poréns e subliminares da vida e dos textos vivos. Escrever não parecia a ela um ato racional, embora afeto às normas gramaticais, à pontuação; e claro, a versar sobre descrições e explicações. Em fuga dos trejeitos acadêmicos, recheados de referências e conceitos, o escrever simplesmente, a que chamam literatura, ou mero diário de alguém, está muito além da compreensão. É possível sim cortar o fio narrativo, rebuscar as expressões, caminhar na aridez filosófica por vaidade ou mesmo apreço. Mas a escrita latente, viva, esta tem uma fluidez indecifrável e diz absolutamente tudo com singeleza e agudeza. É uma quina e uma pancada a encher a carne e os ossos de dor; serve também para enternecer e morrer de vontade de adormecer e sonhar.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Tempo tardio

O tempo a conduzia forçosamente para lugares inóspitos. Alguém diria; ‘tempo tardio’; e ela remendava; ‘isso custa, mas é o custo que inebria e vem com o tempo, o tempo de qualquer um que seja’. E o tempo corria vertigem, atropelava os sentidos, e os sentidos quedavam em falha, e lá ficavam no cofre sem chaves. Bastava o mínimo movimento na tampa da caixa preta para sentidos sublimarem em cores no ar pesado das gotas de lágrima, dos infinitos poluentes, entidades a condensar sentimentos. Sentidos no ar a escapar de pandora numa dança frenética, insana; mergulhos em abismo seco em direção ao fundo da terra dela mesma, cheia de calcário e insalubridades férteis de fazer pensamento. E o tempo se perdia no pensar obtuso, nas suspeitas sem comprovação, nos ideais de afeto, nas crenças perdidas. E o tempo se achava também nos carinhos diários de perguntas que esperam respostas, sorrisos largos e silêncios absolutos, daqueles que não pedem o som. Tudo se misturava nesse tempo tardio, precoce na alma; afeto e descrença; chocolate e pimenta. A boca salivava e o nariz coçava em vermelhidão até espirro sair; seu corpo todo um refletir, sintomas de alguém no tempo tardio, no tempo reivindicado de ser, de sentir. Os olhos avermelhados de capilaridades, olhos sanguíneos para ver cenas de um lugar qualquer fora do tempo, dentro do tempo tardio dela mesma.

Inexplicáveis

Morreremos na ânsia da explicação dos inexplicáveis. Tentaremos em vão conceituar, interpretar, colocar nomes no que é apenas vacuidade. Talvez seja essa a angústia maior do ser humano; explicar. Explicações soam confortáveis para a alma; e a mente, é claro, felicita-se com conclusões ainda que absurdas ou simplórias demais. Hoje eu vi um ipê de flores amarelas; só havia flores, pois que as folhas estavam esquecidas nesse tempo invernal. As nossas explicações são como esse ipê no qual se vê somente as flores amarelas. A gente se esquece das folhas de antes, a gente não conjuga as estações. Somos e sempre seremos seres sazonais, afetados unicamente por nós mesmos, por nossos invernos, primaveras e verões. E são tão profundos estes estados, que qualquer refutar se torna inválido. Concluímos é de coração e mente insana; somos amarelo sol, tanto que dói olhar, dói pensar a gente mesmo.

domingo, 17 de agosto de 2014

Descobridores de alma

Ela andava em busca descobridores de alma; não de sombras revestidas de carne e osso; mucosas irrefletidas, nascimento e morte. Ela andava assim meio palhaça nesse picadeiro de devaneios, de pensamentos rasos, leituras inapropriadas para constar em papos 'caretas', posturas soberbas, auto-ajudas informes; somente escritos apagados em ações pavoneadas de tentativas vãs. Podes tentar sim, mas há que tentar com o vigor da poesia de ver sorriso, expressão, braveza e silêncio. Há que tentar na cadência da ilusão que morre e renasce por segundos, que não há alma inerte, estátua bem conformada para deleites rasos.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

POIS, POIS...

LEVOU ALGUM TEMPO ATÉ QUE ELA CRUZASSE O ATLÂNTICO EM BUSCA DOS DESCOBRIDORES DELA, DAS ORIGENS DOS SEUS JEITOS DE FALAR, DE SUAS MANEIRAS APORTUGUESADAS; TALVEZ DO SEU DESLUMBRAMENTO POR SACADAS, FLORES E ROUPAS DEPENDURADAS NOS VARAIS. POR CERTO, ERAM DIFERENTES OS PORTUGUESES, MAS SUBITAMENTE IGUAIS; FRANCOS E IRÔNICOS, PROFISSIONAIS COM UMA LEVE PITADA DE DOMINAÇÃO A INDICAR AS MISTURAS DE DEGUSTAR MAIS ADEQUADAS, AS AUSÊNCIAS E OS PENSAMENTOS MAIS ALÉM; COISA DE NAVEGADORES. PRIMEIRO VEIO O TEJO À BEIRA DE LISBOA EM CONJUNÇÃO COM O MAR. SIM, ERA DE MAR E RIO ESSE POVO DE INFINITIVOS VOADORES E POESIA A TODO CANTO. ERAM DE RIO QUE NASCE E FLORESCE EM VALES DE FRUTAS VINHAS A VIRAR OURO LÍQUIDO, DIGESTIVOS INSÓLITOS, QUASE OLEOSOS; GINJAS E PORTOS. VALE D’OURO DIRIAM, ALCUNHA PARA SERRA DESMORONADA E RECONSTRUÍDA PROTEGIDA POR MARÃO, SERRA ACOLHEDORA PARA FAZER UVA DE SANGUE D’OURO, UVA VERDE, UVA ROSADA MATEUS, LÍQUIDOS A AQUECER ALIMENTOS E GARGANTAS ÁVIDAS DE DIZER E ENGOLIR SENTIMENTOS, SABORES E CORAÇÃO. LUGAR DE VILAS FORTIFICADAS ÓBIDOS, AMURALHADAS CALCÁRIAS E GRANÍTICAS; SUNTUOSIDADES DE UM TEMPO DE REI, DE UM TEMPO DE DESVALIDOS A CARREGAR IMENSOS ARREDORES, DE CONJUNÇÕES CARNAIS DE REALEZAS OBTUSAS, DE FILHOS ESPÚRIOS DA MADRE, JOANINOS; DE TORRES E CASTELOS; OLHOS SOBRE TERRAS E MAR, E CANHÕES. E SE FOI MESMO NESSE MEDIEVO TÃO OBSCURO QUE TUDO SE DEU, NESSE TEMPO ESCURO A REVELAR TANTA CLARIDADE DO QUE NÃO SE CONTÉM A DESPEITO DE TODA PROTEÇÃO; A MURALHA SE DESFEZ E SE LANÇOU RIO MAR E FOI MUITO MAIS ALÉM, E GEROU TROCAS, BURGOS E HOJE NOSSAS CIVILIZAÇÕES NEM TÃO CIVILIZADAS BRASIS E ÁFRICAS E ATÉ MACAU. E TANTOS TEMPLOS DE EXPURGAR OS PECADOS, E SANTUÁRIOS BRAGA E FÁTIMA, E APARIÇÕES REVERENCIADAS EM JOELHOS SOBRE O CHÃO. TANTO OURO TALHADO E IMAGENS, DEVOÇÃO E ARTE NOS DETALHES, NAS PORTAS, NOS ARCOS, NOS TETOS FIGURAS E NÓS VISEU, CLARABOIAS E VITRAIS E AZULEJOS DECORADOS POR TODA PARTE. QUASE TUDO ESCAPA AOS OLHOS NO PASSAR DE UM DETALHE POR OUTRO; ÂNSIA DE BUSCAR O TUDO, DE FIXAR E CHEGAR À DURA E FANTÁSTICA CONCLUSÃO DE QUE NADA SE FIXA, QUE É IMPOSSÍVEL REPRODUZIR À MÃO A AURA, A UNICIDADE DO MOMENTO DA CRIAÇÃO. E NO MEIO DOS TEMPLOS E CASARIOS AVANTAJADOS, AS JANELAS DE CARAS GUIMARÃES TÃO COMUNS E SEUS PEDAÇOS DE PANOS DE VESTIR; CEROULAS E LENÇÓIS NA MESMA LINHA, NO MESMO PAÇO; E PAÇOS REPLETOS DE GENTE A BEBERICAR, A DEGUSTAR E A PAPEAR EM BARES RESTAURANTES E BANCOS DE PRAÇAS. MINEIRICES A PARTE, É TUDO TÃO ‘BONITINHO’ À FILIPA, OU UMA MARAVILHA, COMO DISSE A CRIANÇA ITALIANA. E OS ‘ESSES’ SE MULTIPLICAM NA CONCORDÂNCIA NOMINAL TÃO ADEQUADA E POR VEZES LEMBRAM TAMBÉM O JEITO CARIOCA DE FALAR. E TEM TAMBÉM O TU QUERES, O QUE TU DESEJAS DO RIO GRANDE DO SUL. SIM, NOSSO PORTUGUÊS ABRASILEIRADO ESTÁ TODO LÁ NA CADÊNCIA E NA VELOCIDADE. E SOBRAM ÁRVORES PARIDEIRAS DE CORTIÇA, SOBREIROS GRÁVIDOS DE NOVE EM NOVE ANOS, INTERCALADOS DE FENO EM PÉ NESSE TEMPO QUENTE DE AGOSTO, ENQUANTO OVELHAS SE AMONTOAM SOB SUAS COPAS; PARIDEIRAS DE VIDAS E ROLHAS E TANTOS OUTROS A CAMINHO DE ÉVORA. E COMO DIZER DOS JARDINS? MATEUS E CASTELO BRANCO EM PODAS GEOMÉTRICAS, COLORIDAS E CHEIROSAS; ARTE NA PLANTA. OS PORTUGUESES SÃO REALMENTE INCANSÁVEIS JARDINEIROS, AGRICULTORES E AINDA CAEM NO MAR. CADA PEDAÇO SE CHÃO SE PRESTA A UMA COLEÇÃO DE PLANTAS, ENTRE COMESTÍVEIS E ENCANTADORES CHEIROSOS. E O QUE DIZER DAS OLIVEIRAS? ESTÃO POR TODA A PARTE COM SUAS FOLHAS LANCEOLADAS E SEU FRUTO MAGNÍFICO, AZEITE PARA REGAR, INUNDAR BACALHAU DO PORTO, APEADEIRO, COM NATA, A BRÁS, A GOMES, COM ESPINAFRE, AO FORNO, ASSADO. AZEITE PARA MOLHAR OS PÃES NA ENTRADA DAS REFEIÇÕES; MACIOS, DELICIOSOS. E PARA OS QUE GOSTAM DOS MAIS EXÓTICOS; POLVOS EM TIRAS, CHOCOS E ALHEIRAS DA ADEGA MATOS LAMEGO. DOS DOCES, AS MASSAS FOLHADAS A DESMANCHAR NA BOCA, A INUNDAR PAPILAS; PASTÉIS DE NATA BELÉM, TRAVESSEIROS E QUEIJADAS DO CAFÉ DA ARCADA. NO ALTO DA SERRA, O PONTO MAIS ALTO PERTO DAS ESTRELAS; SERRA DA ESTRELA. FORMAÇÕES NATURAIS COMO ARTE, GRANÍTICAS EM MEIO A FLORES CAMPESTRES AMARELAS, LAGOS GLACIAIS; IMAGEM INFINITA. CÃES PASTORES SERRA DA ESTRELA, MACIOS E ACOLHEDORES COMO TRAVESSEIROS. E NO PORTO, AS PONTES E O BARCO SOBRE D’OURO, E A MÚSICA DAS MIÚDAS, NEM FADO E TANTO FADO POR TODO LADO; UMA DIVERSÃO EM RIO QUE PARECE MAR TÃO LARGO A CARREGAR BARRIS DE SANGUE D’OURO DA VILA DE GAIA E LEVAR PARA O PORTO. TUDO LEVA AO MAR EM PORTUGAL, LEVA A NAVEGAR LITERAL OU NA MENTE, TANTOS SABORES E LÍNGUA CHEIA DE POESIA. UM CAFÉ PINGADO É UM GAROTO NO CAFÉ À BRASILEIRA; UM MIRANTE, UM MIRADOURO; UMA PLATAFORMA DE EMBARQUE, UM CAIS. E OS BONDES CONTINUAM A PASSAR...E PESSOAS...FERNANDOS, RICARDOS, OLIVEIRAS, DUARTES, HENRIQUES, JOÕES, PEDROS, MATOS, FILIPAS, MUMADONAS, MARIAS...

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Irrepetíveis

Por não saber o que fazer com as palavras é que as juntava; era quase um empirismo, um jeito de misturar sem saber ao certo no que ia dar. Não, não era uma psicografia, nem uma intenção bem formatada, adequada. Sabia que essa reunião emergia ponto a ponto e ia fazendo rede, fazendo linha. Rede e linha também se desfaziam em não reconhecer essa formulação injusta do momento. Reler era inusitado, era dolorido também. Sim, os registros doíam, provocavam febre, tinham existência própria; sorriam e debochavam dela, dos seus insuspeitos instantes de delírio. Ainda assim, ela os fitava curiosa, derrotada e inexistente, posto que tudo virara palavra. Por que as juntava? Não saberia dizer, senão que sentia e juntava; esvaziava cada substância orgânica naqueles escritos. Eram cores, cheiros, suores e sons suspensos em sílabas enigmas. Pobres palavras insuficientes e tão repletas, jamais repetíveis naquela junção de sentir.

A mão de Deus

Ela se perguntava sobre a mão de Deus; se uma mão tão grande cobriria os humanos de conforto ou punição, ou se uma mão tão grande quedaria provocando espanto e soterramentos; se uma mão tão grande penderia flácida, desvitalizada, como se o destino dos humanos não passasse de um mero acaso, de um caos na eterna tentativa de se organizar; tudo sobre a mão pendular, gangorra a brincar...

terça-feira, 22 de julho de 2014

Irficar Ficair

Como ideia muda na cabeça da gente. Uma hora é sentimento de proteção, depois vira libertação. E é no meio do caminho que coração dispara de dúvida; e ficar ou ir nem é decisão que se tome assim de supetão. Mas que dá vontade de ir e ficar em definitivo isso dá; ou a coberta acolhedora ou o caminhar sem fim cheio de fins.

Cenas redimidas

Quantas e quantas vezes ela andara por caminhos em descaminho. Descaminho de mente crucificada; e a despeito dessa posição redentora, era tão absolutamente descrente. Crença de fato não se resumia em posições aniquiladoras para suspensão de supostos pecados. Até prazer e boas intenções vinham em turbilhão confuso, como veste malfazeja; tudo por conta da descrença de momentos de genuína alegria. " Não, não poderia vir assim em minha direção dessa forma tão explícita e doadora, a alegria", ela duvidava. E tanto duvidava, que a cena se redimia tal qual pecado penitente e descrença sobrevivia, e descrença reagia como realidade.

Todas

Andava se empanturrando de palavras, gordas, magras, castas, eróticas e pornográficas. Seguia-se um regurgitar leve vez por outra, mas que não resultava vômito clássico, inundado de saliva. Por vezes, pensava que ruminava palavras e gestos traduzíveis em palavras. Queria sim mimetizar os absurdos de dizer, despudorados dos lidos inconstantes, dos lidos que causavam surpresa por fazerem cena em sua mente. Que delírio seria escrever assim teatral, cinematográfico. Fazer fade, fade in, fade out, na mente dos outros; deixá-los embasbacados, encurralados em sensações espúrias, mal cheirosas, ou até de cheiros vencidos, reprimidos. Veio-lhe de sobressalto esse sadismo, essa tortura pela palavra; dizer o inabitual, estranhar a poesia do belo com a feiura límpida, absolutamente escultural, humana.

...

É engraçado, sentir saudades e não querer matá- las...Querer fazê-las ingredientes de sonhos, não mais de ilusões...Querer fazer sonho sem ilusão, tão crente da realidade que dá pra dormir até acordado e experimentar sonho e matar saudades.

terça-feira, 15 de julho de 2014

Demora

Demora, demora um tanto. Mas a gente escreve, registra; a gente fala, grita. Demora, demora um tanto. Demora tanto que cansa tanta palavra que invade a mente e desatina a falar e escrevinhar quase por conta própria. Parece até descaso com o caso, os corações abatidos banidos de mente sã. Demora, demora um tanto. Mas a gente descobre que esperteza mesmo é calar. Demora, demora um tanto. Se chega e cala nem saberá dizer. Mas que demora, demora. Demora tanto.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Ecoar silêncio

Duas sabedorias: silenciar e não esperar. Não seria fácil aprendê-las, mas por força de viver e não sobreviver teria que se esforçar para tanto. Talvez o silêncio fosse mais complexo atingir do que a falta de expectativas. Esperar constante leva a um desgaste emocional e físico, a um não ser estar, que termina por apagar, enfraquecer qualquer que seja. Leva tempo aprender não esperar, mas torna-se forçoso com o passar dos anos. Tão forçoso que a leveza paira insolente, parece brisa em folha seca. Os anos trazem isso; brisa em folha seca, porque coração já palpitou, imaginação já inventou possibilidades, incontáveis cenas. Aí vem a fadiga que vira a expectativa do avesso. Agora o silêncio; esse é tão alto ou tão baixo, que assusta. A palavra pula da boca feito gafanhoto na planta, praga. A linguagem assume gesto que tem palavra. A linguagem, mesmo irrefletida, era você e eu no jogo da inconsistência, nos desentendimentos a tentar compreender. A linguagem, por certo, era tentativa de compreender. Mas silêncio não; silenciar era transcender, era reconhecer o não dito explícito, pornográfico vazio que a própria linguagem não abarca. Silenciar é constatar a dubiedade, o contraditório de tudo que se afirma, do senso comum ou incomum, menos ou mais elaborado. Silenciar é virar grito, é ecoar nas paredes orgânicas para desaperceber a materialidade em qualquer seja. Silenciar é ecoar pros ouvidos surdos, e fazer neles uma criação redimida das ideias permanentes.

sábado, 12 de julho de 2014

Sempre porque amei

É verdade que te amo e também que não te amo, não porque pensei que te amei, porque se já virou pensamento foi sentimento vivido, remoído. Se não te amo mais ainda te amo por instantes que te amei; e a lembrança permanece nos mínimos de trocar palavras, no toque delicado das mãos, na ansiedade e na descoberta do beijo. Mas é pelo sorriso que mais te amei e te desamei e, por isso, amei. Amei a graça da boca estendida cheia de dentes e a gargalhada do simples contar que vive; graças que a vida dá no cotidiano, dos afetos, dos avós, das praças proibidas. Graças das neuroses que parecem enlouquecer, mas que viram graças ainda maiores no contar; são cantos no contemplar. Graças de te ver dormindo, respirando, graças da vida que vive.

Intemporal

Dizem que amor tão grande dura é no tempo. Lisandra duvidava do tempo e nem por isso desacreditava do amor; para ela amor era intemporal, gastava o tempo de um suspiro e de uma lembrança intermitente. Amor tanto era muito mais amizade, esse amor de eternidade. A vida e o amar andavam assim sazonais, invernais e primaveris, nos tempos de alternância, hibernação e floração. Quando dormia a vida era sonho de amar; quando florescia era deslumbramento de inquietar, um respiro forte de doer coração.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Pontos de mutação

Compreendia lentamente que as pessoas andavam em busca de outras que fossem repletas, em busca de uma ilusão em identidade forjada, fixa, quase inerte. Esqueciam-se dos inúmeros pontos de mutação, que colocavam qualquer que seja em um vazio profundo, em um não lugar permanente. O resto eram só disfarces, personagens para alguém ver; para construírem seus contos de fada, seus contos de fatos, registros memoráveis para contar. Enquanto isso, o presente se esvaía na perda do vazio mais profundo e prolífico, onde cabiam tantos gestos e palavras dispersas, espontâneas, capazes de gerar o verdadeiro afeto, afeto livre.

Um caminho

Já havia se acostumado com os caminhos e seus pés parcialmente doloridos, vivos. E nessas ruas havia silêncio e ruído, e placas; muitas promessas comerciais e até utilitárias. No último que percorreu 'amolavam tesoura, faca e alicate de unha', vendiam 'coisas e koisas'; havia também um centro de flores. Incompatibilidades a parte, entrevia que seu olhar não as teria mirado sem propósito algum. Os objetos usados tinham recuperação, havia coisas e 'Koisas', e as folhas modificadas, a que chamam flores, preservavam a poesia.

domingo, 29 de junho de 2014

...

Humanos são realmente estranhos; sucedem-se em supostos erros e acertos; a dita e revelada humanidade se desfaz e se conserta em pulos no abismo e nos vôos até o céu estrelado...

...

Todos nós temos plena absolvição de nossos atos, uma vez que dependem exclusivamente do valor que damos a eles; bons ou ruins são adjetivos meramente subjetivos. O fato é: conveniências determinam qualificações.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Devíamos

Devíamos sempre respirar fundo antes de dizer qualquer palavra, ainda que em momentos emergentes, quando não dá pra adiar porque ela vem solta e cheia de emoção. Devíamos ponderar mais para evitar o imponderável de nós mesmos em desatino. Devíamos soletrar a palavra pra nós mesmos ou encontrar um buraco escuro e gritar para ver que tom adquire, que vida cria ou mata. Devíamos ser mais avisados da navalha dos fonemas reunidos, dos cortes insanos forjados entre mente, língua e coração. Devíamos até ponderar o aparente imponderável, porque a reflexão é doída, mas leva a lugares enormes, distantes e tão completamente outros, que o dito fica subversivo, parco, excessivo para pouco, incompreensível depois de algum tempo. Devíamos evitar a confusão entre palavra e sentir, por mais que ela tente dizer do sentir. Devíamos nos conter, inspirar profundo, engolir, saborear, deglutir, ruminar como um bovino, calmamente em pasto largo sob a luz ou o sereno a espera de uma digesta mais elaborada, finamente cortada pra virar um nutriente precioso do diálogo. Devíamos, mas raramente somos dever ser, somos apenas ser.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Incompletudes

Ela sofria de incompletudes; mas não eram incompletudes quaisquer...eram máximas de tão mínimas, corpos em detalhes. E nos dias frios ela se abraçava num instinto natural de conservação, na busca do aconchego, do calor, no receio de petrificar. Não que virar rocha soasse inóspito. Muito pelo contrário; parecia-lhe, por vezes, que ser mineral era até um desejo muito humano; estar lá ao sabor do vento, perfeitamente integrado e vivo a despeito da aparente imobilidade. Mas incompletude mesmo era coisa orgânica; a superfície tão repleta dos objetos e ideais de posse, e as profundezas, cheias de nada. Ela sofria de incompletudes, mas cria cada vez mais nesse compartilhamento de nada, do nada. O amor deveria ser assim, o compartilhar das falhas, dos vazios em abismo, das profundezas. Era o nada e não o tudo que fazia realmente o movimento dos afetos.

Por dentro e por fora

Sorrir por fora é fácil; Difícil é sorrir por dentro; Ficar repleto, ecoar alegria; Ficar repleto, dançar e rodar pra ninguém ver; Difícil é virar criança e ver graça no mais simples; Ficar repleto, mergulhar em rio de peixe colorido; E afundar, leve nas profundezas do mar; Difícil é encher-se de corais e flores astrais, folhas secas teatrais; E abraçar, e beijar, e acariciar a pele em adoração; Difícil é fazer sorriso vazar, escorrer cachoeira sem nem perceber; Difícil é sorrir por dentro e afundar...

Maria

Maria teria que escolher entre o intenso e o protetivo. Maria teria que fazer várias vozes em reflexo dela mesma pra saber qual tom dar; qual caberia nessa escolha de ser sem sofrer na pauta de uma música de viver. Um tango, um rock, um popularesco qualquer, uma valsa, um blues, um jazz. Teria que fazer vezes de procurar um ritmo adequado para cada história que viesse. Maria teria que ter olhos atentos quase insones para não deixar manifestar as displicências da alma, do coração que quer sem medida e pulsa, e pula e derruba o corpo e aliena a mente. Maria teria que encontrar o exato intenso do momento e esquecer pra crer que foi verdade e não mentira todo aquele aparato de dizer. Teria que absorver momento como fisiologia, como ar de respirar, comida de comer, cheiro de cheirar, pele de pagar, olhos de ver. Maria teria que arrumar o de ser pra viver.

Admito

Admito minha máxima estupidez; Admito sem reservas esse emburrecer na ânsia de acreditar; Admito e me coloco diante de qualquer que seja, derrotada em minhas fraquezas, maculada nos sonhos desfeitos; Admito que a dor não é provocada por outrem; A dor nada mais é que um de si para si por viver momentos de total displicência; O outro só dói por si; A dor mim é esse ego que se desfaz repleto de vergonha, marcada na entranha com ferro quente; Sim, é de ferro em brasa que doemos, e cada lágrima é pequena, só faz acender mais o fogo; Só mesmo quando vir era glacial poderá apagar; Que todo sentir em desatino destrói tudo até vir o gelo, até o sol derretê-lo devagar na esperança de nascer vida em potência de sentimento.

O Quarto

Não há nada mais quadrado que o quarto; Pra todo lado que se olha quadrado, teto, chão parede, e o cubo se perde; E o infinito adormece; a paisagem da janela escurece; Quarto, quadrado, cubo, quarto, cubículo, cercado; E a janela anoitece! “É tanto excesso que falta...” É tanta falta que excede...

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Assassinatos

Ela tinha que assassinar seus sentimentos dia após dia como fossem matérias. Ela tinha que torná-los perfeitamente conformados, objetos desprezíveis nesse mundo banal. Ela tinha que esquecê-los por mais que fossem intensos, matá-los na mente e no coração, e fazer sorrisos pra alguém ver, pra ninguém ver. Morte e sorriso rimavam sem rimar, no mundo feito dessas matérias fortes e superficiais. Lembrava-lhe a mão com aquele segmento de pele a descamar, epitélio suicídio, linfocítico, guerra de dentro pra fora, guerra deflagrada sem saber, auto guerra, bombardeios imunológicos. Lembrava-lhe toda fragilidade da alma revelada no corpo, porque não conseguia de fato ver desumanidade. Mas sentia-se desumanizada, um pedaço de carne sem alma. A morte dos sentimentos vinha assim, dia após dia nas matanças diárias dos sentidos, dos cuidados, dos afetos nascentes.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Morrida e Matada

Eu sempre achei que morte matada era por tiro ou faca; e que morte morrida era morte sem jeito, de doença, de bebida, de velhice. Tempos depois comecei a entender diferente. Morte morrida é morte por fora, tem cerimônia formal de despedida, está lá pra qualquer um ver. Agora morte matada acontece lá dentro da gente, mesmo que ninguém veja.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Um despertar

Passara meses dormindo, talvez anos; só acordava por força das obrigações cotidianas; não que não lhe trouxessem algum prazer, por certo traziam. Mas o sono vinha em qualquer recostar, e vinha pesado em sonho esquecido, uma espécie de inércia, dormia e não queria acordar. A realidade parecia-lhe pouco curiosa, parecia-lhe que o sono era um sustento da alma descrente, da alma que cansava o próprio corpo. Não mais que de repente despertou num susto, viu sentido onde já não mais havia; as imagens ordinárias ficaram suaves, familiares, amigáveis. Queria passar por outras ruas, alternar o passo com dança, recitar em alto tom, queria conviver. Seu corpo já não era o mesmo, cada parte dolorida se compadecia de outra, de forma que se criou um mecanismo de absurda solidariedade. O mínimo toque era sentido em potência, não como delírio. Cria que não sonhava, embora sonho fosse sua matéria principal. Era tão real aquele tempo sem planos, de futuro incerto, mas certo o presente de sentir. Não via verdadeira ressonância nisto tudo, salvo em si e em almas parecidas para quem contava seus pensamentos insanos que lhe pareciam tão saudáveis. Essas almas irmãs davam a ela um pouco de alento no mundo sem sonho. E ela não separava corpo e alma; todo o erotismo parecia sangrar e pulsar por dentro e por fora. Ela era rio, água pra peixe nadar e desovar. Ela era um amontoado de químicos em propulsão criadora. Ela também era terra pra brotar e se refazer em fertilidade mineral, a revolver toda e qualquer camada mais profunda. Ela era um pouco fogo pra queimar, mas sem a menor intenção de machucar qualquer que fosse; queria provocar um aquecimento de estufa, brando e prolífico. Ela também era ar; e solta no ar podia voar.

sábado, 7 de junho de 2014

Subida

Empanturrou-se com uma porção gigantesca de nhoque ao molho vermelho de calabresa; Regou aquelas substâncias máximas e avermelhadas com uma taça de vinho seco de marca desconhecida; Subira o meio aclive sem cambalear, mas sob um relaxamento taciturno; Os carros subiam, desciam, gritavam e perguntavam pra onde iam; Chegou, subiu três lances de escada em tempo de eternidade; Recostou-se repleta; Não conseguiu dormir.

Noite tonta

Num susto tudo mudou, tudo chegou no ponto, desapareceu do outro ponto; Num susto tudo mudou, não era mais a mesma face, o mesmo corpo, O coração tinha outra batida, era de fanfarra; Num susto o ponto ficou no outro ponto, Num susto tonto, de noite tonta, tudo chegou no ponto.

Frio e Saudade

Frio é primo da saudade; traz vontade de cheiro de cozinha de mãe, de papo solto; tudo na partilha de picar no meio do bate papo, enfiar colher na panela e experimentar queimando a língua; e falar que delícia com vontade e exagero, só pra voltar de novo...

(...)

Interessava-a amar intensamente, com sustos e sossegos, com egos inflamados e solicitude irrepreensível, com carícias e gestos bruscos de sentir; carecia o amor dessas nuances contrárias, dessas metades mal acabadas, assimétricas; carecia o amor do valor indefinível, que não se tem; que não se percebe; carecia o amor daquilo que não se nomeia; de um abismo escuro e um lago límpido; de umas formas espúrias só por serem incompreensíveis, carecia o amor somente de sentidos, desde que não fossem parcos.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

A validade da arte

Estive pensando sobre a validade da música, do cinema, dos livros, da poesia; serenamente e sinceramente. Nada mais são do que 'esvaziadores da alma', instrumentos hábeis em nos fazer pensar na absoluta falta de necessidade da praticidade e de tantas utilidades que poderíamos descartar. Sim, são esvaziadores da alma, pra ela caber, encher, esvaziar e caber de novo...Caber de novo com ternura, sorriso no olhar e batida de coração...

Palavra pra acordar

Desde que te conheci fiquei meio esquisita, insone; Parei de dormir pra fazer palavra no lugar de sonho; Desde que te conheci o sonho não vem, e a palavra escorre sonâmbula; O sono vem tarde no sonho insone, acordada por você; Sonho no quarto de panos, pernas e braços em laço, largados no ar; Sonho no quarto de bocas perdidas em dizer e silenciar; Desde que te conheci fiquei meio esquisita, insone; Parei de dormir para acordar na palavra de sonho, pra ver se acordo você...

Sonho de encontrar

Faltaram poucos passos; Eram tão poucos pra chegar; Nem tão longe, tão perto encontrar; Faltavam poucos passos, mas não deu; Você ficou no meu sonho de te encontrar... A curva virou, o passo acelerou; Sobraram meus passos; Tão perto encontrar, ficou tão longe; Sobraram meus passos; E você ficou no meu sonho de te encontrar... Você sumindo, sombra no infinito, no meu sonho de te encontrar...

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Gente que não é mais gente

Tem tanta gente na rua, Tanta gente que não é mais gente, Tem tanta gente na rua enquanto passam carros, Máquinas e pessoas em meio a gritos, conflitos, no fluxo, no sinal “Está cega trouxa! Sai da frente!” “Filha da puta!” No trânsito de tanta gente e suas ações inconsequentes, Tanta gente não é mais gente, Mentes esquecidas do outro, O outro que não mente, No seu corpo farrapo, e ninguém entende... Tem tanta gente na rua, Tanta gente que não é mais gente.

domingo, 25 de maio de 2014

Diálogo

Chegou-me assim de meio supetão E perguntou: quem é você? No que prontamente respondi Depois voltou insistiu Fez caminho de conversa Rodeou, voltou Falou E perguntou: o que fazes aqui? No que prontamente respondi, sem saber se era pedra ou rio o porvir Então foi Voltou e perguntou mais manso: serve um almoço, um café ou qualquer coisa? No que prontamente escolhi Serve o que me faz sentir, existir...

Transgressão

Era certo que ela precisava aguçar os sentidos, mas aguçá-los não somente naquilo que se esperava deles; ver além com olhos, cheirar além com narizes, ouvir extremos com ouvidos, tocar intenso com mãos, saborear como rio a inundar...Não, não eram esses os sentidos, eram além mais, como uma forma de transcender suas capacidades inatas, aquilo que se espera deles. Ela descobrira que sentidos eram vivos e multifacetados; podiam por certo exercer uns pelos outros como um concerto harmonioso alternado, livre no experimentar, como olhos que ouvem, ouvidos que vêem, mãos que cheiram, bocas que tocam...E nesses aspectos turvos tão somente restritivos que a vida impunha a cada parte, cada uma ou cada um deles ganharia nuances surpreendentes, pinturas caóticas, plenamente compreensíveis em serem inapropriadas, experimentação daquilo que não se espera. Ah! Os sentidos seriam transgressão puramente ingênua, descoberta, deslumbramento.

sábado, 3 de maio de 2014

A forma que damos

Te amo a despeito de tudo que passamos De tudo que não passamos também Porque sempre desfilarão por nossos olhos Instantes de viver atentos e desatentos Te amo a despeito das inconstâncias do seu ser E do meu ser também E os momentos; os terei fielmente guardados Nessa mente que não se cala Nesse silêncio que sente Nas irreverentes cenas de amar E desejar nossas solidões compartilhadas Eu aqui, você ali Nós aqui ali fazendo sons incompreensíveis a nós mesmos Palavras cheias de vãos E a despeito dessas frestas, falhas, te amo Porque não há previsões consolidadas de fato Porque o amor muda e permanece no formato que lhe damos E a despeito de suas nuances, há sempre uma espécie de reamar Um reclame, um costume de reivindicar amar e ser amado E a despeito das acusações de por que amar É o não porque que se mantém Inconformes em amar e reamar por motivos que se desfazem e refazem Te amo a despeito, com pesares recalcados, com alegrias iminentes, Só pra ver o seu lábio ligeiramente rasgado a querer sorrir, Seus olhos a brilhar na busca do de dentro dos meus... E a despeito da boca apertada, dos olhos foscos e tristes, te amo Te amo no inesperado, porque deixou de haver precisão, necessidades O que espera se apaga lentamente...

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Além do tempo

Ela procuraria por Gunnar anos mais tarde; muito depois daquele tempo de afeto inocente. Lembrava-lhe o sorriso largo dele, os dentes espaçosos, as conversas no parquinho a balançarem-se naquelas gangorras de correntes grossas; os pés sobre a areia escura, os olhos vidrados. Também havia os longos banhos de piscina até os dedos enrugarem; a pele avermelhada, esquecida do sol. O coração disparava e o corpo brincava com os sentimentos, clamava pela paixão e pela criança de cada um. Anos mais tarde, ela procuraria por ele naquela rua distante; muito além do tempo. Não encontraria. Ficaram os dois a balançar naquela gangorra, refletidos naquela água azul; os dentes largos inundando a boca, os olhos com brilho, além, muito além do tempo.

sábado, 29 de março de 2014

Verdemente

O poeta disse: "no meio do caminho tinha uma pedra"; Hoje a pedra rolou, E no meio do fio, Bem acima da minha cabeça, Tinha uma ave, Estridente, Verdemente impertinente...

sábado, 8 de março de 2014

Feminino

“Nada mais insistente do que o feminino; Feminino se parece com latente; Está simplesmente; Espreita quando não mais se espera; Atento até em desatenção; Feminino é expressão de corpo em espírito; Viver feminino faz dor, faz amor também; Viver feminino é como vinho; Vermelhidão e sol.”

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014