Histórias sempre estão na fronteira; por mais que tentemos acomodá-las elas esbarram no real vivido, ouvido, lembrado; elas esbarram no imaginado, sonhado, criado...por isso evocamos os entrelugares, onde cabem o contraditório, o surpreendente e até o esperado...todos eles permissíveis à intromissão do eu e também à sua ausência, mesmo disfarçada.
domingo, 25 de maio de 2014
Diálogo
Chegou-me assim de meio supetão
E perguntou: quem é você?
No que prontamente respondi
Depois voltou insistiu
Fez caminho de conversa
Rodeou, voltou
Falou
E perguntou: o que fazes aqui?
No que prontamente respondi, sem saber se era pedra ou rio o porvir
Então foi
Voltou e perguntou mais manso: serve um almoço, um café ou qualquer coisa?
No que prontamente escolhi
Serve o que me faz sentir, existir...
Transgressão
Era certo que ela precisava aguçar os sentidos, mas aguçá-los não somente naquilo que se esperava deles; ver além com olhos, cheirar além com narizes, ouvir extremos com ouvidos, tocar intenso com mãos, saborear como rio a inundar...Não, não eram esses os sentidos, eram além mais, como uma forma de transcender suas capacidades inatas, aquilo que se espera deles. Ela descobrira que sentidos eram vivos e multifacetados; podiam por certo exercer uns pelos outros como um concerto harmonioso alternado, livre no experimentar, como olhos que ouvem, ouvidos que vêem, mãos que cheiram, bocas que tocam...E nesses aspectos turvos tão somente restritivos que a vida impunha a cada parte, cada uma ou cada um deles ganharia nuances surpreendentes, pinturas caóticas, plenamente compreensíveis em serem inapropriadas, experimentação daquilo que não se espera. Ah! Os sentidos seriam transgressão puramente ingênua, descoberta, deslumbramento.
sábado, 3 de maio de 2014
A forma que damos
Te amo a despeito de tudo que passamos
De tudo que não passamos também
Porque sempre desfilarão por nossos olhos
Instantes de viver atentos e desatentos
Te amo a despeito das inconstâncias do seu ser
E do meu ser também
E os momentos; os terei fielmente guardados
Nessa mente que não se cala
Nesse silêncio que sente
Nas irreverentes cenas de amar
E desejar nossas solidões compartilhadas
Eu aqui, você ali
Nós aqui ali fazendo sons incompreensíveis a nós mesmos
Palavras cheias de vãos
E a despeito dessas frestas, falhas, te amo
Porque não há previsões consolidadas de fato
Porque o amor muda e permanece no formato que lhe damos
E a despeito de suas nuances, há sempre uma espécie de reamar
Um reclame, um costume de reivindicar amar e ser amado
E a despeito das acusações de por que amar
É o não porque que se mantém
Inconformes em amar e reamar por motivos que se desfazem e refazem
Te amo a despeito, com pesares recalcados, com alegrias iminentes,
Só pra ver o seu lábio ligeiramente rasgado a querer sorrir,
Seus olhos a brilhar na busca do de dentro dos meus...
E a despeito da boca apertada, dos olhos foscos e tristes, te amo
Te amo no inesperado, porque deixou de haver precisão, necessidades
O que espera se apaga lentamente...
sexta-feira, 2 de maio de 2014
Além do tempo
Ela procuraria por Gunnar anos mais tarde; muito depois daquele tempo de afeto inocente. Lembrava-lhe o sorriso largo dele, os dentes espaçosos, as conversas no parquinho a balançarem-se naquelas gangorras de correntes grossas; os pés sobre a areia escura, os olhos vidrados. Também havia os longos banhos de piscina até os dedos enrugarem; a pele avermelhada, esquecida do sol. O coração disparava e o corpo brincava com os sentimentos, clamava pela paixão e pela criança de cada um. Anos mais tarde, ela procuraria por ele naquela rua distante; muito além do tempo. Não encontraria. Ficaram os dois a balançar naquela gangorra, refletidos naquela água azul; os dentes largos inundando a boca, os olhos com brilho, além, muito além do tempo.
Assinar:
Postagens (Atom)