quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Por uma ciência poética

Nada contra os discursos acadêmicos; debruço-me também sobre eles e até retiro deles alguma essência poética. Mas de fato são poucos os que transitam por essa vontade de percepção, ciência como percepção. É isso! Toda vez que um cientista se põe a relatar seus experimentos, suas conclusões, prende-se a nomenclaturas aceitas, absolutamente codificadas enquanto fatos precisos. Não demora muito e a ciência cai do barranco em abismo sem fim, porque jamais irá atingir o exato, jamais obterá as condições totalmente controladas; os frutos maduros dificilmente terão o mesmo amarelo ou a mesma vermelhidão. Repetir e atestar em orgulho a vitória do experimento, atinar para congruência dos resultados, parece o desejo mais proeminente do homem para tudo o que faz e não faz. Vencer a dúvida é o que deseja, o sucesso do experimento. O poeta apenas substitui a dúvida pela palavra exata inexata, pelo gesto impreciso, riso não visto, choro escondido. A poesia é o imponderável, incontrolável para o qual não existe nomenclaturas precisas. Uma ciência poética é um passo para o humano que não se pondera, que não erra nem acerta, simplesmente vive o peculiar, o que não se repete.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Planos

Como fazer planos se a existência não passa de uma alternância de sopé e montanha, de água que amansa e faz onda? Como fazer planos, escolher destinos absolutamente improváveis nessa suposição absurda de que alguma escolha é certa e provável? Sim, há como fazer planos e acertar-lhes as arestas pontudas, fingir-se de bobo ante as decepções cadenciadas do dia a dia; montar um álbum de falhas submersas em imagens condensadas de mimetismos de risos e choros de emoção. Do que eu falava mesmo? De planos...tão obtusos; cubos.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Fêmea

Até hoje me surpreende a alcunha mulher, simplesmente porque fêmea cabe infinitamente mais, posto que traz consigo a perfeita definição nominal daquela que gera, amamenta e recobre com pêlos e pele, daquela que se altera por sentidos de proteção e selvageria em acalento; todos os sentidos em alerta. Terminantemente, mulher se presta apenas para delimitar o feminino subjugado no horizonte cultural de ‘minha mulher’. Mulher fala tão pouco enquanto grita a fêmea sufocada em seus instintos de existir, mas principalmente em coexistir em estado belo, natural.

...

Cada vez mais assegurava-se de que ser feliz era esquecer-se, por instantes perder-se no presente e esquecer-se.

Vazio

Desafio maior não deve haver; descrever o vazio e sua vocação de se instalar entre as extremidades; entre dor e prazer, tristeza e alegria, sorte e infortúnio, desejo e desprezo, vontade e desânimo. O incontido no vazio subverte o repleto e o desafia enchendo- se do nada. Curioso esse vazio cheio de nada, incompreensões em desaviso, desafetos sem lastro, amenidades das conquistas, solidões, cactus no deserto, inundações em reservas de alma, e lá fora vazio; miragens de sóis, incontáveis linhas que se perdem; vazio.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

se...se,se,se

"Que deus te dê em dobro aquilo me desejas"; estava lá inscrito no vidro traseiro de um carro de uma rua qualquer de uma cidade qualquer. Esqueceu-se de dizer, ou melhor; preferiu não explicar que o dobro poderia ser de bem ou de mal. Ou melhor; quis deixar claro que a recompensa poderia ser boa ou má, ou que só o bem poderia advir?! Traquinices das frases completas incompletas.

Corpos-instrumentos

E nossos corpos instrumentos concertaram o mundo em chuva de raios luminosos, até cegar a vida e acordar a morte; E nossos corpos instrumentos harmonizaram uma melodia seca, de cadência frouxa, até acordar de novo; E a dança foi de sopros e cordas enviesados feito esconde esconde no balanço irreconhecível para todos passantes; E nossos corpos instrumentos ficaram ali meio tortos, congelados no movimento sonolento de quem se acomoda no afeto.