quinta-feira, 28 de maio de 2015

Barco-pipa

Por hora, servia-lhe um barco-pipa sob o comando de um pequenino. Assim, cairia-lhe bem o mar em tormenta e remanso, e o ar de brisa e vendaval. Quanta aventura nesse navegar água e mar no fio da linha.

Porões

Sempre gostara dos porões; que tivessem teto baixo, ainda melhor. Espaços submersos, submarinos da alma pra qualquer gesto desavisado, os porões já foram ternura e não escravidão. Eram como cavernas diminutas, flagravam todos os sentimentos, medo, mãos dadas, a perspectiva da luz ao final e o mais acalentado deles; um sentir de lagarto a rastejar, retorno ancestral em meio a luzes cintilantes.

Victor de barro

Muitos nos são apresentados em momentos adiante do que poderiam; Fica-nos o sentimento ansioso da permanente descoberta do já desaparecido; De alguma forma comungamos um sentimento, uma emoção que se enlaça; Uma expressão que ecoa nos ventos de um passado em memória esquecida, mas revivida nos contares; Curioso nos parece o desaparecimento em desatino; A falha submersa na história em desafeto; Raro pareceu-me Víctor Jara, um jarro de barro no deserto das emoções, de barro.

Doçura

Por certo, já ouvistes falar em doçura. Ela chegou até nós mirrada, saída de um mato vizinho. Nunca conseguimos nomeá - la; essa sorte ela teve. Podia ser chamada linda, charmosa, gostosa e arreganhada. Sim; abria as pernas por um carinho na barriga quentinha. Vários nomes foram aventados, mas não couberam em seu jeito variado. Foi embora hoje de jeito inesperado. Deixou - nos o gosto da doçura.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

spectrais

Se os olhos não podem ver, o espelho se encarrega. Ironia ou coincidência; foi assim aquele encontro desencontrado versão duplicada. A imagem teimava em se fixar num voyerismo acidental. Fora sempre assim; ele e ela em noite fria que congela; spectrais.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Pan

Somos todos deuses Pan, rodeados de pandemônios, pândegas, pandemias. Cabeças de homens com instinto ruminante, de pensar que não se acaba, com adornos córneos insistentes de histórias que escapam. Somos todos deuses pan, de pés laminados inflamados a caminhar por descaminhos em busca de anestesia. E os pelos que nos nascem em espessura e tamanho são essa mesma lembrança epitelial dos tempos ancestrais pan, que nos sobrepujam para esse contemporâneo fadigado de pensamento, loucos para correr pelos campos em desatino e encontrar, e tocar a flauta mágica num lamento de ironia e libertação.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Amiga

Toda vez que se punha a pensar naquela amizade sem fim, transbordava em tempestade. A palavra vinha oca, num vácuo de imprecisões de um amor que não se consolidava, mas explodia. Teimavam em dizer que ela era sua mãe, mas essa palavra não cabia nos máximos de sentir. A cada dia uma nova raiz crescia em seus pés, mas a ponto de se fixarem, rompiam a terra seca no incentivo de liberdade que aquela amizade inspirava. Toda proteção era apenas o desejo de libertar em alegria. Era além do tempo aquela amizade. O amor maior.

Nuvens

Hoje as nuvens se deitaram no céu em forma de serpentes. Não tinham a cabeça em posição de bote, de defesa ou ataque. Estavam calmas a flutuar em mar azul e calmo. Sempre a surpreendiam; as nuvens. Assumiam tantas formas quanto houvesse. E como pinta - las? Pois que sempre vazavam do quadro rebeldes? Por vezes tão agitadas a dançar!? Como fazê-las parar para fixar - lhes em êxtase? Sobrava então o devaneio da nuvem que passou.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Luso Ricardo

Entre esquinas, viradas e reviradas, perderam-se na cidade de nome Porto. Subiram e desceram ruas margeadas por sobrados e igrejas escurecidas em jeito típico de forasteiros, até que apareceu outro de nome Ricardo. Português de olhos azuis, e traços bem harmonizados com esses outros, mas cambaleante e um tanto decepcionado, choroso. Fez de tudo para guiá-los no mapa do caminho que desconhecia. No fundo queria dizer do ‘bolo’ que levara da provável amada que não chegara. No grupo seguiam moças namoradeiras, mas que absolutamente não iluminaram seus azuis. Seu céu tinha nuvens melancólicas de um marcado sem resposta. Uma das estrangeiras esteve ali ao seu lado a escutar seus lamentos, enquanto todo grupo se perdia nas linhas de mapa perdido. Ricardo não era mal intencionado; pelo contrário, era educado e bem apessoado. Foi-se num lamento, deixando a nítida impressão que o caminho era da descoberta. Enganaram-se os estrangeiros, que no fundo se divertiam em ruas desconhecidas ao cair noite. Ricardo delicadamente queria fazer apenas lamento poético luso, e assim fingiu conhecer destino de forasteiros no mapa e nos sentidos entoados em desacerto.

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Amorfa

A sensação da beleza é amorfa; faz -se num instante, por uma silhueta em perfil que jamais revelará a fronte, ou mesmo por um traço em sua robustez ou delicadeza. A forma jamais se completa em ideal estético, mas transborda, vaza de si mesma, sublima.

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É nos implícitos que tudo é revelado. Tudo dito e tudo representado em pormenores parte do sentimento de insuficiência do discurso e da paisagem. As falhas aparecem em camadas que se aprofundam até o infinito. O que está lá se basta; nós é que não nos bastamos, ansiamos preencher; pobres de nós...

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O prazer não é um abismo ou um encontro assentado nos aparatos da fisiologia. A ciência peca toda vez que tenta fazer esse enquadramento preciso. É fora do quadro que mora a fruição, o prazer estético. O gozo está no pensamento, apenas nas idéias prévias que vão compor qualquer cena. O prazer é pensamento potencializado pelos sentidos e fisiologia.