quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Águia

Sabia desde sempre que de perto ninguém era igual, que os traços se projetavam e ganhavam contornos de alma. Ela invadira aquela face de tal maneira a ver a fantasia exposta pela realidade. Ele tinha olhos de águia, redondos, vivos como a claridade. Seu nariz curvava-se levemente, enquanto as narinas abriam caminho para o ar do mundo. Cabia tudo naqueles pulmões, ou seriam sacos aéreos?! Um dia ela disse a ele; 'por fim, eram mesmo uma ficção'. E foi assim que nasceu a águia, de braços de longos e espessos tendões; quase asas. Os abraços faziam ninho em volta dela. A boca era um sonoro acalento de alimentar e acariciar. Os dedos eram de rapina; grudavam, mas também doavam; alimento na boca da cria. Todo o corpo era um tomar voo, e pra pousar quanta precisão e leveza. Era por certo um homem águia, um doce sonho real, a ficção dos olhos dela.

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

'Coisinhas'

O amor é feito de coisinhas, instantes que se repetem na teia do dia a dia que provocam encanto. Em absoluto! Não se trata de um diminutivo-coisinhas-, mas de um contínuo improvável; gestos sem utilidade, quase estado de arte, de uma estética indizível. Essas coisinhas são segredos, um código próprio nascido pra encantar.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Morrer é preciso

Nunca saberemos quantas vezes teremos que morrer pra desfrutar mais uma vez um amor, uma visão encantadora, uma fresta a deixar passar a luz pela janela, uma conversa de esquecer o entorno; e também, por vezes, morreremos pra morrer de novo nos idos a se repetir até vir uma clareza simples de viver. O que soa banal é apenasmente e grandemente o sopro da sabedoria, não dos livros ou das reflexões complexas; o que soa banal é somente soar, pois em verdade verte silêncio por não se traduzir em palavras, e é toda razão de morrer dia após dia e reviver, como um parto no tempo certo, aquela cabeça a se insinuar pegajosa para o vento do ar, para a claridade temível, para o sentir de solidão só para encontrar.

...

Há tanto perigo submerso nas falas e frases repetidas, nos chavões endurecidos. Há tanta liberdade nos ditos de afeto retificados, ratificados, sovados e polvilhados. Há tanta suavidade nessa massa de dizer inesgotável, avessa aos pudores, degustativa, cheirosa e inebriante. Há tantas indeterminações fabulosas, enganos verdadeiros, enquanto absolutos pairam emburrecidos, pousam pesados. Há tanta liberdade negada a propósito de nada sentir.