quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Cansaço

Ela se sentia tão cansada, tão impotente diante daquilo que se apresentava aos seus olhos, ouvidos e mente. Não era um cansaço plenamente justificável, mas um cansaço de estar sempre em um não lugar, até perante o outro. Sentia-se nesse descolamento, como se o cenário estivesse diante dela e bastasse um pulo para que se colocasse no quadro perfeito, de expectativas satisfeitas, conforme seus sentimentos mais verdadeiros. Mas aquela cena não durava nem sequer o instante do esperar, pois que ela vagava sempre em espera de dúvida, já com as forças sumidas, e o coração que batia célere era puro desatino diante das possibilidades que se multiplicavam, mas nenhuma delas fazia concerto em sua alma, eram apenas dissonâncias poéticas a virar aves sem retorno. Sentia-se incongruente, como um ângulo em geometria solitária, sem par. Sentia-se sem par, sem ar, em meio ao turbilhão de suposições improváveis, sem prova sequer, apenas supostas idéias sobre o inapreensível do outro e de si mesma. Sentia e pensava sobre as vidas no entorno e dentro de si, vidas razoavelmente esperadas, continuadas, sem tantas perguntas que angustiar, só o viver a cada dia, e queria mesmo saber porque sempre fora assim desencontrada por querer e não querer, até que toda diferença de ação restasse como se nada houvesse a que se apegar de fato, somente a dúvida e a total inadequação de viver segundo um nem sei o quê de provável e respeitável. O mundo poderia ruir, cair, mas nada seria mais tenebroso que os escombros de si mesma, escombros vazios de vivência amontoados nela, sem projetos de construção e reconstrução. Desde que se dera por viva, sentia essa inquietude sísmica, e cismava tanto por tudo e por nada, teimava-se nessa confusão, e se cansava, cansava...

3 comentários:

Renato Pittas disse...

Me sinto assim a muito tempo...vc disse a palavra certa Cansaço é isso que nos devora!

Gosto muito da maneira como vc descreve os "descreres" que nos assolam.

Saúde eu beijo carinhoso...vc merece!

Grato!

André Zagreu disse...

Oi Keila, obrigado por ter vizitado meu blog! fico feliz. Não li ainda o livro do qual falou mas vou procura-lo. Musil é otimo. Depois vou dar uma olhada em seus textos e prometo comenta-los ok.

Nina Blue disse...

"Sentia-se incongruente, como um ângulo em geometria solitária, sem par."
Pois eu, vou somente silenciar,
e guardar pra depois...
Beijos, minha predileta!