sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Almas em circo

Não quero a carnavalização dos corpos,
Quero o carnaval das almas em circo,
Embebidas em elixires mágicos,
A equilibrarem-se em cordas bambas,
Na ânsia de pedaços de azul e estrelas distantes;
Quero o encontro genuíno,
Descontraído de tanta contradição,
De facetas escondidas e escancaradas no susto do tambor,
Na ginga mansa e veloz dos quadris,
Nos olhares soltos e aprisionados de encanto...

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Varais

Quantas roupas estendidas
Devassadas pelo tempo
Pelos arroubos loucos
Roçar de corpos
Quantas cores vivas
Cinzentas
Quantas rusgas de mãos
Entremeadas nos panos
Almas em imersão desinfetante
Quarar, quarar...
Quantos sentimentos
Dependurados
Nos varais suspensos do coração...

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Cheia de senões

Que visão quer ter de mim? Que imagem reivindica? Que ângulo o aguça se qualquer um pode provocar encanto e desencanto? Por que insiste em vários quadros imperfeitos, se a perfeição imperfeita está em qualquer um deles? Por que insiste no engano, no pano epidérmico de luz e sombras, que não vê em profundidade? Nos pêlos superficiais que recobrem poros e raízes distantes? No registro fotográfico repleto, mas sempre vazio, um instantâneo obtuso? Por que se ilude com a quantidade de poses fragmentadas, com a ilusão da completude inatingível? Por que insiste se o que vê sempre será engano, perspectivas misturadas, entrecortadas? Se quer um pictórico acertivo encontrará dúvidas. Se quer um negativo se surpreenderá com afirmações incontidas, retratos atemporais. A imagem se dilui, se condensa, entorpece; é um fetiche da realidade, tão irreal e envolvente, tão cruel e aterrador; um tão cheio de senões.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Entre Carretas

Nem toda ação depende de programação. Nem tudo que não é programado sai tão ruim. Viagens pedem saída e chegada com hora marcada, sobretudo as de trabalho, mas alguns destinos tomam o sentido contrário ou ficam mais distantes e recheados que pensamos. ‘Vamos à noite; assim já acordamos lá no hotel e resolvemos tudo logo cedo’, profetizaram. Assim foi, com um pequeno detalhe que nos escapou; saímos às seis da noite e chegamos às duas e trinta da manhã. O percurso que deveria durar duas horas chegou a quase oito. E não pensem que foi tão terrível assim. À beira da estrada e entre carretas fomos, voltamos, paramos. De adiante vinham notícias entrecortadas, aumentadas, diminuídas. Dois acidentes logo à frente, um no Viaduto das Almas, fizeram uma fila de almas se formar, se estender, nos encaixotar. Resolvemos, eu, Breno, Flávio e Cristiano, retornar, comer pão com lingüiça, o prato típico das estradas de Minas, e tomar uma cerveja. Era gente chegando, pagodeiro dançando, ‘Big Brother’ na tela chamuscada e profecias pululando, intrigando; ‘só uma hora da manhã liberam’. E foi perto de uma hora mesmo que o fluxo começou a escorrer, mas ainda deu tempo para tirarmos aquela foto entre as carretas, com riso solto, lua encoberta e pingo de chuva. Depois passamos pelo viaduto e não avistamos as almas envolvidas no acidente, porém seguimos finalmente pela estrada de terra acidentada ao som ‘Nação Zumbi’. Chegamos sonolentos. Uns foram dormir, outros ainda se dedicaram a um jantar reforçado. É...toda programação depende de muitas almas...caminhos e tempos incontornáveis, imprecisos...

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Coincidência cadente

Era noite de lua cheia, quando o clarão faz da noite um passo pro amanhecer mesmo longe do amanhecer, tudo cheio de estrelas. Também era dia treze de uma sexta, quando eu e compadre Zequinha sentamos bem em frente ao boteco do Lourival para tomar uma ‘branquinha’ ou ‘amarelinha’ de carvalho. Estávamos deveras inspirados, pelo clima, pelo dia...sei lá...agarramos de prosa de um jeito...A pinga descia quente, de ardor moderado, e o papo ia na cadência dela. Caímos no palavrão coincidência, saltamos para acaso que era menorzinho e, finalmente, compusemos o tal traçado do destino. ‘Que negócio é esse de coisa já pronta Zequinha? A vida da gente, a gente vai levando como pode, e se tem algum desentendido é porque não firmamos atenção. E esse traçado...ihh...é todo falhado.’ Eu nem estava aí pra desfazer o dito do compadre, gostava mesmo era de vê-lo agitado, de palavreado bem formado, cheio de certezas. Mas há algum tempo matutava sim sobre os acontecidos, os idos que nunca soube explicar. Eu não queria era dar essa confirmação pra ele. Sempre fui meio desacreditado de tudo mesmo. Certa vez me disseram: ‘tem coisa que é do sagrado, tá escrito; e se não tá já prontinho, tem alguém ou um além, uma marcação qualquer que a gente não escapa.’Aí eu fiquei pensando; tem coincidência que a gente quer, a gente deseja tanto, que acontece...então nem é coincidência...é só um disfarce. Outro dia desses mesmo pensei tanto na moça Rosinha que fui parar na frente da casa dela e não é que ela saiu no mesmo instante? Coincidência danada de boa essa...eita! Depois pensei melhor sobre os acasos sem vontade, sem força na mente, talvez as verdadeiras coincidências, os encontros duvidosos. Confesso que nem quis dizer isso pro Zequinha, porque ele ia sair vitorioso demais, ainda mais na sexta treze...Saímos do Lourival pendentes até demais, de conclusões, de certos e incertos; eu rindo do compadre, do sagrado dele, mas no fundo meio mexido por dentro. É...essa tal coincidência dando nó em mim...Nunca mais fui ao portão da Rosinha e nem a vi, mesmo pensando nela todos os dias...Onde será que ela foi parar? Coincidência é mesmo coisa estranha, sem explicação, e o que a gente faz com ela é uma história boa ou ruim, uma lembrança ou um esquecimento; termina que é o que interessa. No final das contas a coincidência é uma estrela cadente pra gente não ver, ou pra fazer pedido e se encher de vontade.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Nem de mim, nem de ti

Não reflito porque sou aflito
E grito a verdade ao infinito
E me calo falante
Pensante discreto
De respiros fracos
Embargos de voz
Não grito, silencio
E por dentro rodopio
Zonzo faço ciranda
Tonteio de tanto devaneio
Nunca atiro o pau no gato
Só me atiro na cantinela
E me delicio com canela
No café fumegante
Não sei voar, nem mergulhar
Mas sinto asas e guelrras
Tormenta de fantasmas
Miasmas em mim
De ti faço verso
Desconverso
Porque de ti nem sei
Nem de mim