segunda-feira, 27 de junho de 2011

Além do inesperado

Nada pode ser mais aterrador que o vazio dos dias, enquanto em vã tentativa se busca um sentido qualquer de apoio ou faísca de luz. Ela vagava assim entre sorrisos impensados, de momentos para sorrir a quem não merecia sua tristeza...Ela seguia sem seguir, pois não havia caminho que lhe condicionasse os pés já cansados, tanto que tonteou pela vida a tropeçar enquanto parecia a alguns que pisava firme. Mas seus pés doíam desde o primeiro pisar dos dias e durante a noite já anteviam a dor no contato com o chão, posto que pés têm também a inteligência da alma...A inteligência da alma...Haveria? Ela não distinguia mais corpo e alma, que os reflexos se misturavam de tal maneira, que não havia fronteira clara, apenas um entrelaçar que de súbito se parecia com uma luta de permanência em lugar qualquer, de desejo de encontro...Era esse encontro que lhe doía, que não vinha com o outro, que não vinha consigo mesma...E acreditava piamente que já estivera nesse lugar mais preciso de sentido e o perdera por ter os olhos anuviados, a alma enfraquecida dos valores verdadeiros que trazem alegria...Ela se esforçara, mas como sempre resvalara em incompreensão do outro e de si própria...Caíra nesse buraco abismal e tinha em si essa sensação de queda que dispara o coração e o deixa fraco, dolorido de tanto resistir ao inusitado do fundo impreciso...Ela queria de volta pés de músculos bem conformados, de artérias pulsantes e veias gentis...Ela queria seus pés de volta...firmes...e um coração forte, que amasse além do inesperado...além do inesperado...

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Volver?!

Vinha nela essa estranha sensação de que tudo devia se acabar, as horas, os dias, os meses. Mas quando esbarrava nos anos, vinha uma sofreguidão, um sentimento de querer voltar, feito ave migratória. Ela, porém, não tinha asas bem conformadas, e toda tentativa de retorno, doía, e sobre ela olhos de julgo vertiam uma enormidade de sensações nela sentidas, e ela não sabia bem desse retorno; se onde não chegou, finalmente, poderia chegar. E se fosse possível essa incrível transmutação do tempo em começo e fim indistintos como um todo coeso e, por isso, cambiante? E se sua matéria fosse soluto em solvente morno de acalento? Vinha-lhe esses sonhos de dissolver e em praia de sol reconfortante ganhar nova vida a evaporar todos os miasmas que a contiveram em mistura. E o volver seria esse passo permanente da marcha até conseguir realizar os irrealizados, sumir os desatinos, os impensados, fazer os pensados cheios de emoção e poesia sem olhos para verter, agir em não pensamento, agir em coração. Esse natural perdido era a dor dos anos, que horas, dias e meses não tinham a medida exata da perda.

terça-feira, 7 de junho de 2011

'Desabedoria'

Meu caminho é te acompanhar de olhos, a sentir quando tu vais em aclive, quando vens, mesmo que em sono, em declive. É como eu fosse o abismo de onde tu emerges e onde cais e submerge, ainda que em relutância protetora. Tu em mim como uma salvação e uma perdição. E então vais sempre em despedida e deixa-me o despertar da percepção de tudo o que antes não sabia, sequer entrevia nas linguagens que me rodeiam. Uma surpresa sempre, uma parte ou reentrância de ti descoberta em angústia de lembrar, em alegria incontida, que jamais saberás. Que o amor é essa desabedoria do outro por mais que se queira, que se espreite. É desaber da gente mesmo e repetir pra saber e continuar duvidoso na ânsia de mais amar.