quinta-feira, 28 de abril de 2011

Pátio do abandono

Enquanto a viagem seguia o menino ia a perguntar ao pai os porquês daquela máquina alada, o que a fazia voar; porquês e mais porquês, até que avistou algumas máquinas maravilhosas daquelas abandonadas no pátio do aeroporto. ‘O que aconteceu com elas papai?’ ‘Estão abandonadas, respondeu.’ ‘E por quê?’ Bem, talvez algumas partes ou peças envelheceram e outras não puderam ser substituídas.' ‘Papai...esse avião em que estamos também vai ser abandonado um dia?’ Papai olhou fundo nos olhos do menino e pela primeira vez naquele diálogo que seguia fluido, constante, interrompeu-se em pensamento...e vagamente respondeu; ‘não sei meu filho, pode ser...’Talvez tenha pensado na máquina humana abandonada, na possibilidade do espírito ausente ou carente de atenção, ou acreditasse que alguma máquina ou humano poderia eternizar-se em constantes manutenções. Quem dirá sua percepção de finitude tenha sublimado por instantes, ou mesmo soprado em seu peito como uma dor, mas o menino não tardou a perguntar mais e mais, e ele a responder sem nenhuma subestima pelo pequeno, até chegarem ao pátio de destino.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Perceber

Se me coloco a te perceber, ponho-me a me perceber, e quanto mais me aguças a percepção, mais me desapercebo por intensa angústia de perceber. Se tudo quanto me dizes parece-me claro por instantes, por um refletir que se segue, coloca-se diante de mim como um escuro clarão, uma sensação de busca de claridade na escuridão. É um movimento constante, no qual fico submersa, no qual pareço flutuar, como um peixe nas profundezas e que vem à tona na busca de ar. Se penso já conhecer-te, engano-me, e engano-me mais por me desconhecer, posto que o conhecimento de mim só se faz por ti, que só me meço e me desconstruo no susto de te perceber. E na vida toda que se segue sou esse clarão na escuridão, um tatear com gosto de descoberta e perda que me fazes, que me faço. E se não me provocas esse perceber, contigo não estive, foi somente ilusão.