sábado, 30 de agosto de 2014

...(

O sonho ele carregava sozinho, como o peso de uma névoa, com embaçado nos olhos e a clarividência da mente, imaginação. Há tempos seus olhos turvavam as imagens, doíam; então resolveu chorar e chorar intermitente ao sabor de tudo que houvesse de terno e bruto, de árido e úmido. Tentava suplantar a todo custo aquela secura que cegava em busca do sonho.Foi tanto choro que os olhos viraram rio; enquanto superfície secava os afetos, lá no fundo entre pupila e linha d'água viviam cardumes inimagináveis, corais multicores e ondas de alegria.

Passarar

Por certo, parecia a ela banal aquela pergunta retumbante; ‘qual o sentido?’ A pergunta ecoava e seu coração era sonar; batia a pergunta no oco de sangue e reverberava por todo corpo uma música oleosa, azeitada, um cheiro acre e doce e um tato malfazejo. Sim, a música era um ecoar de sino sem igreja, uma agonia de vila sem habitantes. A cidadela parecia estar abandonada por séculos e também habitada por angústias, seres fantasmas em coro uníssono a repetir a mesma pergunta de sempre; ‘qual o sentido?’ Levara algum tempo a discutir com outra alma perguntadeira sobre a famigerada pergunta. Ela assegurou-lhe que bastava ficar alegre que sentido vinha. Fazia sentido a explicação sobre o sentido. Mas se sentido fosse já não seria sentido; explicado fosse seria motivo. Sentido era apenas sintoma ou causa? Sentido era o que tocava ou o que emanava sem tocar? Onde estava aquela abstração que para muitos parecia tão concreta e a outros sublime, etérea...E se não havia sentido, o que haveria? Ela então mudou a pergunta; por que não há sentido? Por que esta terra ficou desabitada e as flores a repeliam? Não havia garantias de significação no jogo de estar e ser. Tudo se convertia rapidamente em sonho de acordar e dormir; nada soava real. Às vezes vinha alegria, vinha sentido, mas tão breve e inconstante que sentido passarava em céu de estrelas caídas.

...

Cada vez mais compreendia e descompreendia a necessidade das interpretações, investigações sobre as reais intenções, os poréns e subliminares da vida e dos textos vivos. Escrever não parecia a ela um ato racional, embora afeto às normas gramaticais, à pontuação; e claro, a versar sobre descrições e explicações. Em fuga dos trejeitos acadêmicos, recheados de referências e conceitos, o escrever simplesmente, a que chamam literatura, ou mero diário de alguém, está muito além da compreensão. É possível sim cortar o fio narrativo, rebuscar as expressões, caminhar na aridez filosófica por vaidade ou mesmo apreço. Mas a escrita latente, viva, esta tem uma fluidez indecifrável e diz absolutamente tudo com singeleza e agudeza. É uma quina e uma pancada a encher a carne e os ossos de dor; serve também para enternecer e morrer de vontade de adormecer e sonhar.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Tempo tardio

O tempo a conduzia forçosamente para lugares inóspitos. Alguém diria; ‘tempo tardio’; e ela remendava; ‘isso custa, mas é o custo que inebria e vem com o tempo, o tempo de qualquer um que seja’. E o tempo corria vertigem, atropelava os sentidos, e os sentidos quedavam em falha, e lá ficavam no cofre sem chaves. Bastava o mínimo movimento na tampa da caixa preta para sentidos sublimarem em cores no ar pesado das gotas de lágrima, dos infinitos poluentes, entidades a condensar sentimentos. Sentidos no ar a escapar de pandora numa dança frenética, insana; mergulhos em abismo seco em direção ao fundo da terra dela mesma, cheia de calcário e insalubridades férteis de fazer pensamento. E o tempo se perdia no pensar obtuso, nas suspeitas sem comprovação, nos ideais de afeto, nas crenças perdidas. E o tempo se achava também nos carinhos diários de perguntas que esperam respostas, sorrisos largos e silêncios absolutos, daqueles que não pedem o som. Tudo se misturava nesse tempo tardio, precoce na alma; afeto e descrença; chocolate e pimenta. A boca salivava e o nariz coçava em vermelhidão até espirro sair; seu corpo todo um refletir, sintomas de alguém no tempo tardio, no tempo reivindicado de ser, de sentir. Os olhos avermelhados de capilaridades, olhos sanguíneos para ver cenas de um lugar qualquer fora do tempo, dentro do tempo tardio dela mesma.

Inexplicáveis

Morreremos na ânsia da explicação dos inexplicáveis. Tentaremos em vão conceituar, interpretar, colocar nomes no que é apenas vacuidade. Talvez seja essa a angústia maior do ser humano; explicar. Explicações soam confortáveis para a alma; e a mente, é claro, felicita-se com conclusões ainda que absurdas ou simplórias demais. Hoje eu vi um ipê de flores amarelas; só havia flores, pois que as folhas estavam esquecidas nesse tempo invernal. As nossas explicações são como esse ipê no qual se vê somente as flores amarelas. A gente se esquece das folhas de antes, a gente não conjuga as estações. Somos e sempre seremos seres sazonais, afetados unicamente por nós mesmos, por nossos invernos, primaveras e verões. E são tão profundos estes estados, que qualquer refutar se torna inválido. Concluímos é de coração e mente insana; somos amarelo sol, tanto que dói olhar, dói pensar a gente mesmo.

domingo, 17 de agosto de 2014

Descobridores de alma

Ela andava em busca descobridores de alma; não de sombras revestidas de carne e osso; mucosas irrefletidas, nascimento e morte. Ela andava assim meio palhaça nesse picadeiro de devaneios, de pensamentos rasos, leituras inapropriadas para constar em papos 'caretas', posturas soberbas, auto-ajudas informes; somente escritos apagados em ações pavoneadas de tentativas vãs. Podes tentar sim, mas há que tentar com o vigor da poesia de ver sorriso, expressão, braveza e silêncio. Há que tentar na cadência da ilusão que morre e renasce por segundos, que não há alma inerte, estátua bem conformada para deleites rasos.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

POIS, POIS...

LEVOU ALGUM TEMPO ATÉ QUE ELA CRUZASSE O ATLÂNTICO EM BUSCA DOS DESCOBRIDORES DELA, DAS ORIGENS DOS SEUS JEITOS DE FALAR, DE SUAS MANEIRAS APORTUGUESADAS; TALVEZ DO SEU DESLUMBRAMENTO POR SACADAS, FLORES E ROUPAS DEPENDURADAS NOS VARAIS. POR CERTO, ERAM DIFERENTES OS PORTUGUESES, MAS SUBITAMENTE IGUAIS; FRANCOS E IRÔNICOS, PROFISSIONAIS COM UMA LEVE PITADA DE DOMINAÇÃO A INDICAR AS MISTURAS DE DEGUSTAR MAIS ADEQUADAS, AS AUSÊNCIAS E OS PENSAMENTOS MAIS ALÉM; COISA DE NAVEGADORES. PRIMEIRO VEIO O TEJO À BEIRA DE LISBOA EM CONJUNÇÃO COM O MAR. SIM, ERA DE MAR E RIO ESSE POVO DE INFINITIVOS VOADORES E POESIA A TODO CANTO. ERAM DE RIO QUE NASCE E FLORESCE EM VALES DE FRUTAS VINHAS A VIRAR OURO LÍQUIDO, DIGESTIVOS INSÓLITOS, QUASE OLEOSOS; GINJAS E PORTOS. VALE D’OURO DIRIAM, ALCUNHA PARA SERRA DESMORONADA E RECONSTRUÍDA PROTEGIDA POR MARÃO, SERRA ACOLHEDORA PARA FAZER UVA DE SANGUE D’OURO, UVA VERDE, UVA ROSADA MATEUS, LÍQUIDOS A AQUECER ALIMENTOS E GARGANTAS ÁVIDAS DE DIZER E ENGOLIR SENTIMENTOS, SABORES E CORAÇÃO. LUGAR DE VILAS FORTIFICADAS ÓBIDOS, AMURALHADAS CALCÁRIAS E GRANÍTICAS; SUNTUOSIDADES DE UM TEMPO DE REI, DE UM TEMPO DE DESVALIDOS A CARREGAR IMENSOS ARREDORES, DE CONJUNÇÕES CARNAIS DE REALEZAS OBTUSAS, DE FILHOS ESPÚRIOS DA MADRE, JOANINOS; DE TORRES E CASTELOS; OLHOS SOBRE TERRAS E MAR, E CANHÕES. E SE FOI MESMO NESSE MEDIEVO TÃO OBSCURO QUE TUDO SE DEU, NESSE TEMPO ESCURO A REVELAR TANTA CLARIDADE DO QUE NÃO SE CONTÉM A DESPEITO DE TODA PROTEÇÃO; A MURALHA SE DESFEZ E SE LANÇOU RIO MAR E FOI MUITO MAIS ALÉM, E GEROU TROCAS, BURGOS E HOJE NOSSAS CIVILIZAÇÕES NEM TÃO CIVILIZADAS BRASIS E ÁFRICAS E ATÉ MACAU. E TANTOS TEMPLOS DE EXPURGAR OS PECADOS, E SANTUÁRIOS BRAGA E FÁTIMA, E APARIÇÕES REVERENCIADAS EM JOELHOS SOBRE O CHÃO. TANTO OURO TALHADO E IMAGENS, DEVOÇÃO E ARTE NOS DETALHES, NAS PORTAS, NOS ARCOS, NOS TETOS FIGURAS E NÓS VISEU, CLARABOIAS E VITRAIS E AZULEJOS DECORADOS POR TODA PARTE. QUASE TUDO ESCAPA AOS OLHOS NO PASSAR DE UM DETALHE POR OUTRO; ÂNSIA DE BUSCAR O TUDO, DE FIXAR E CHEGAR À DURA E FANTÁSTICA CONCLUSÃO DE QUE NADA SE FIXA, QUE É IMPOSSÍVEL REPRODUZIR À MÃO A AURA, A UNICIDADE DO MOMENTO DA CRIAÇÃO. E NO MEIO DOS TEMPLOS E CASARIOS AVANTAJADOS, AS JANELAS DE CARAS GUIMARÃES TÃO COMUNS E SEUS PEDAÇOS DE PANOS DE VESTIR; CEROULAS E LENÇÓIS NA MESMA LINHA, NO MESMO PAÇO; E PAÇOS REPLETOS DE GENTE A BEBERICAR, A DEGUSTAR E A PAPEAR EM BARES RESTAURANTES E BANCOS DE PRAÇAS. MINEIRICES A PARTE, É TUDO TÃO ‘BONITINHO’ À FILIPA, OU UMA MARAVILHA, COMO DISSE A CRIANÇA ITALIANA. E OS ‘ESSES’ SE MULTIPLICAM NA CONCORDÂNCIA NOMINAL TÃO ADEQUADA E POR VEZES LEMBRAM TAMBÉM O JEITO CARIOCA DE FALAR. E TEM TAMBÉM O TU QUERES, O QUE TU DESEJAS DO RIO GRANDE DO SUL. SIM, NOSSO PORTUGUÊS ABRASILEIRADO ESTÁ TODO LÁ NA CADÊNCIA E NA VELOCIDADE. E SOBRAM ÁRVORES PARIDEIRAS DE CORTIÇA, SOBREIROS GRÁVIDOS DE NOVE EM NOVE ANOS, INTERCALADOS DE FENO EM PÉ NESSE TEMPO QUENTE DE AGOSTO, ENQUANTO OVELHAS SE AMONTOAM SOB SUAS COPAS; PARIDEIRAS DE VIDAS E ROLHAS E TANTOS OUTROS A CAMINHO DE ÉVORA. E COMO DIZER DOS JARDINS? MATEUS E CASTELO BRANCO EM PODAS GEOMÉTRICAS, COLORIDAS E CHEIROSAS; ARTE NA PLANTA. OS PORTUGUESES SÃO REALMENTE INCANSÁVEIS JARDINEIROS, AGRICULTORES E AINDA CAEM NO MAR. CADA PEDAÇO SE CHÃO SE PRESTA A UMA COLEÇÃO DE PLANTAS, ENTRE COMESTÍVEIS E ENCANTADORES CHEIROSOS. E O QUE DIZER DAS OLIVEIRAS? ESTÃO POR TODA A PARTE COM SUAS FOLHAS LANCEOLADAS E SEU FRUTO MAGNÍFICO, AZEITE PARA REGAR, INUNDAR BACALHAU DO PORTO, APEADEIRO, COM NATA, A BRÁS, A GOMES, COM ESPINAFRE, AO FORNO, ASSADO. AZEITE PARA MOLHAR OS PÃES NA ENTRADA DAS REFEIÇÕES; MACIOS, DELICIOSOS. E PARA OS QUE GOSTAM DOS MAIS EXÓTICOS; POLVOS EM TIRAS, CHOCOS E ALHEIRAS DA ADEGA MATOS LAMEGO. DOS DOCES, AS MASSAS FOLHADAS A DESMANCHAR NA BOCA, A INUNDAR PAPILAS; PASTÉIS DE NATA BELÉM, TRAVESSEIROS E QUEIJADAS DO CAFÉ DA ARCADA. NO ALTO DA SERRA, O PONTO MAIS ALTO PERTO DAS ESTRELAS; SERRA DA ESTRELA. FORMAÇÕES NATURAIS COMO ARTE, GRANÍTICAS EM MEIO A FLORES CAMPESTRES AMARELAS, LAGOS GLACIAIS; IMAGEM INFINITA. CÃES PASTORES SERRA DA ESTRELA, MACIOS E ACOLHEDORES COMO TRAVESSEIROS. E NO PORTO, AS PONTES E O BARCO SOBRE D’OURO, E A MÚSICA DAS MIÚDAS, NEM FADO E TANTO FADO POR TODO LADO; UMA DIVERSÃO EM RIO QUE PARECE MAR TÃO LARGO A CARREGAR BARRIS DE SANGUE D’OURO DA VILA DE GAIA E LEVAR PARA O PORTO. TUDO LEVA AO MAR EM PORTUGAL, LEVA A NAVEGAR LITERAL OU NA MENTE, TANTOS SABORES E LÍNGUA CHEIA DE POESIA. UM CAFÉ PINGADO É UM GAROTO NO CAFÉ À BRASILEIRA; UM MIRANTE, UM MIRADOURO; UMA PLATAFORMA DE EMBARQUE, UM CAIS. E OS BONDES CONTINUAM A PASSAR...E PESSOAS...FERNANDOS, RICARDOS, OLIVEIRAS, DUARTES, HENRIQUES, JOÕES, PEDROS, MATOS, FILIPAS, MUMADONAS, MARIAS...