sexta-feira, 24 de abril de 2015

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No final das contas somos feitos é de silêncio. O som vem acidental. Por vezes, o som chega tão desavisado, que cala. Fica ali quietinho no pensamento de palavra boa, tanto tanto que cala. Resta o olho que diz, o nariz na inquietude do perfume, as mãos num desenho de afeto e o silêncio que grita.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Encantado

Não há melhor ideia para descrever a morte do que o encantamento de Rosa. Lembrara agora do seu pai preto que fora sem alarde em um boteco da avenida abaixo da casa dela. Silencioso até na despedida, pediu uma água e nem chegou a beber, pois já estava repleto. Viveu na simplicidade do fazer das mãos. Para tudo tinha um pensamento de conserto numa paciência que chegava irritar. Só muito mais tarde ela percebera o valor daquela calma; apenas uma forma de chegar na sua solução, porque não dava a mínima para as soluções rápidas dos outros. Cambaleava feito um copo que simula cair e não cai. Achava a vida boa e insistia nessa cantiga e no fazer impossível sempre possível. As mãos eram grandes e não encaixavam nos pequenos parafusos e canos submersos, mas ele esgueirava os dedos pacientemente até encaixar e desimpedir os caminhos. Ele foi silencioso feito alguém que não vai. Ficou encantado.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

A flor não está lá. A flor é apenas a percepção da flor. A flor pode nascer no cimento; pode nascer no campo infinito; pode nascer no coração da mente. A flor não está lá. A flor está cá.

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Eram a vela e o leme que direcionavam o barco na ventania, ou havia uma pipa a puxar-lhe o esqueleto pesado até o céu? A vida era um estar real, ou apenas um sonho vivido, lembrado ou esquecido, que fazia florescer a mente?

Veias abertas

'Veias abertas' chegou- me às mãos na tenra idade, mas chegou de um jeito acidental, meio corroído de traças, um tanto mofado, umas folhas caídas e outras prestes a cair. A edição antiga era severa, sem elementos pictóricos em capa, senão umas linhas mal postas em vermelho e branco; e claro, as garrafais veias abertas da América Latina. Adentrei aquele mundo de histórias da história meio assustada com tantos minerais escorrendo em letras, e uma delicada descrição, quase uma arqueologia do solo latino. Um sangue escorria grosso e brilhante em minhas mãos, enquanto meus olhos se enterneciam e se indignavam. Era a primeira vez que percebia esses veios cavados a escorrer riquezas e todo o efeito disso nas pessoas. Um tio por certo o lera,; não contara. Mas deixara nas caixas de livros antigos e eu o encontrara.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Quase amor

Aquele quase amor tivera o término por um parágrafo, nem tão longo, nem tão curto. Fora como um livro não escrito, suprimidas a introdução e a narrativa;, história interrompida. Os fatos ficaram suspensos por ordem do descuidado desamor que mais tarde viraria um oi mal saído feito um já foi. Curioso ter ido sem ter chegado, num passo esquecido. Aquela silhueta ficar-lhe-ia na lembrança do contrário; cuidado. Ia ao longe por alguém que amava, mãos postas sobre ombros e reclinar de cabeça aconchego. Por certo, podia amar, mas desamou em lapso de desatenção.

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O transcendente serve para dizer daquilo que não ousamos ou podemos entender. A poesia também faz esse papel; transcender...