quinta-feira, 15 de setembro de 2011

'Onuírica'

Aquela situação onírica repetia-se. Aquele nu envergonhado, desprotegido. E se todos os olhares não viam, era como se estivessem lá a vê-la sem quaisquer vestes, por convenção ou redenção. Não havia; simplesmente não havia nada passível de encobrir, posto que o sentir, a vergonha era desvelada, erótica e caótica. Quem saberia daquelas motivações íntimas ruminadas num regurgito ácido e atemporal? Quem saberia dos incapazes momentos? Não que fossem rápidos. Sabia que não eram, pois duravam por dentro, eram genéticos. Os instantes na duplicação nuclear de cada célula, enquanto a epiderme se perdia inelutável, cascas para ácaros monstruosos. Enquanto isso, restavam falhas, fossos em linhas rasas e profundas, às vezes lesões de arrasto, do beijo em acalento, do desprezo que soma, fixa e corrói. Mas havia algo abismal, inerte e sem fundo, um inexplicável indelével além da superfície. Então vinha o sonho avisar, vinha a lembrança ao acordar de tempos imemoriais, desses mesmos tempos vividos e revividos num suspirar e respirar sem ar. Lugares em fronteira a disputarem cada naco de pensamento e de agir. Ah, se todas as convenções fossem demolidas e restassem os escombros inertes; que liberdade! O nu seria cálido e constante, sem apegos às idéias, às disposições do espírito. Passantes nus a comporem harmonias em melodias dissonantes, surpreendentes. Passantes bem vestidos, sem têxteis, senão gestos de identidade, adereços sem medida e padrão. Nus em forma e sentidos. Aquela situação onírica teimava...teimava... ‘Onuírica’...

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Vacila

Como decai o homem de um dia para o outro. Em certo tempo está vigoroso, de voz potente e sorriso sarcástico. Depois vem vacilante, com uma típica impaciência de quem não traz o corpo bem aprumado, as articulações suficientemente flexíveis. A visão também não obedece, “preenche o cheque para mim?” Vai pela vida nessa cantinela dos negócios, das vendas e trocas financeiras, assina quantos mil papéis monetários; continua a assinar, pois não se desgruda da sua identidade bancária, utilitária. Não se desgruda das suas parafernálias de viver enquanto ser de valores arbitrários, abstratos, mas de uma realidade interior sólida que só esboroa no instante de morte das partes; a matéria que se desfaz. Até um dia paralisar de vez, cegar de vez...