quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O que o beijo tem

A boca dela tinha um olho, e cada vez que a língua dele se intrometia , vinha visão em via de transitar rápido, como se todo caminho se desnudasse na janela ao lado; a cena corrida das paisagens que ficam pra trás, das paisagens que se renovam e atropelam as outras. O beijo deveria ser o estável esquecimento frente a todos os dilacerantes instantes de incompreensão, os momentos superpostos de ação e inanição. Mas o olho da boca se abria adensado feito rio e vertia saliva em forma de lágrima. A boca chorava em momentos de solidão, como faminta a revelar o vazio gástrico, uma fome da alma. O beijo era também o acalento da visão, uma venda irrefreável que ela buscava insolente, sem pudores, sem limites. Mas o limite não tardava a interromper o beijo de olhos abertos, visionários. Entre vendado e desnudado, na maquínica percepção de disjunção, embora todo o desejo fosse de unir, colar irremediavelmente, o olho da boca se debatia. A separação era nítida e jamais ela se faria decifrar e sequer decifraria aquela languidez ou rigidez muscular do beijar, do ver, do olho que o beijo tem.

2 comentários:

Fred Caju disse...

Excelente, moça! Beijos para você.

Renato Pittas disse...

Kiss,Kiss,Kiss,Kiss,Kiss,Kiss,Kiss,Kiss,Kiss,Kiss,Kiss.