Histórias sempre estão na fronteira; por mais que tentemos acomodá-las elas esbarram no real vivido, ouvido, lembrado; elas esbarram no imaginado, sonhado, criado...por isso evocamos os entrelugares, onde cabem o contraditório, o surpreendente e até o esperado...todos eles permissíveis à intromissão do eu e também à sua ausência, mesmo disfarçada.
quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013
Tecnologicus
Confesso! Admirei-me! Não que fosse cena incomum, mas foram decisivos os pormenores. Como de costume fui almoçar em um self-service, desses restaurantes apropriados para os dias corridos da modernidade, esses que atentaram contra os a la carte, de encomendar e esperar. Não há mais muito tempo para a espera nem de cardápios e preparos, muito menos de cartas. O fato é, postei-me sobre meu prato corrido, com misturas nem sempre harmônicas, por influência das tantas opções. Diante de mim havia três mesas lado a lado que abrigavam cinco pessoas, aparentemente companheiras de trabalho, solidariamente a dividir o horário sagrado do almoço, entre alimentar e conversar. Contudo, enquanto quatro deles se alimentavam silenciosamente em gestos mais formais, um deles habitava a única mesa da ponta. Nela, na mesa, ele fazia malabarismos com um notebook, um celular, uma agenda, um prato de comida e um copo de suco. Blusa listradinha de gola, sapato social, gel no cabelo e pulseirinha prateada no braço esquerdo; e também uma grossa aliança dourada para reiterar a imagem de moço sério. Todos os objetos da mesa eram, sem dúvida, mais sagrados e urgentes que a comida de cada dia; esta esfriava a olhos vistos, enquanto seu predador era consumido pelos artefatos tecnológicos, era abraçado por eles. Todos terminaram sua refeição, olharam de soslaio com meio riso de boca fechada, e o humanus tecnologicus ainda era consumido pelo tempo distante, enquanto sua própria necessidade essencial de se alimentar era violentada. Quando se dera conta do prato diante de si, este já esfriara; o gelo já raleara o suco; a avidez do garfo e a velocidade do mastigar vieram intensas; eram mais um sintoma de que o alimento não era mais sagrado, que sua necessidade era espúria diante do tempo exíguo?! Quem dera ele não precisasse mais se render a algo tão primitivo, alimentar-se; por isso, talvez preferisse comer frio para desgostar desses essenciais tão humanos. Esperei um pouco para ver o fim, desisti. Apelei para dispositivos mais primitivos como palitar os dentes, e até ficar meio sonolenta de olhar perdido no instante pós-prandial, quando, na verdade, fixava-me na cena. Achei monótono; fui-me. Uma mesa festiva de glutões falastrões me atrairia mais por certo; prova de que estariam nesse mundo e que o alimento vicejava quentinho e apetitoso no prato e no estômago.
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3 comentários:
live fast...fir hard!
Assim são os nossos dias!
como sempre um olhar unico de nossos dias.
grato querida!
live fast...die hard!
Assim são os nossos dias!
como sempre um olhar unico de nossos dias.
grato querida!
Tenho é muita pena de pessoas assim... refeição é coisa sagrada, é dos raros momentos em que ainda nos conectamos conosco... e muitos simplesmente perdem esse momento.
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