Histórias sempre estão na fronteira; por mais que tentemos acomodá-las elas esbarram no real vivido, ouvido, lembrado; elas esbarram no imaginado, sonhado, criado...por isso evocamos os entrelugares, onde cabem o contraditório, o surpreendente e até o esperado...todos eles permissíveis à intromissão do eu e também à sua ausência, mesmo disfarçada.
segunda-feira, 14 de março de 2011
Manhã aterradora
Não lembrava a ela uma manhã tão aterradora. As imagens descoladas do cenário como em um filme fantasmagórico. A igreja atrás da praça sobre aquele céu cinza macilento, como a flutuar, enquanto a cruz central se impunha sobre sua cabeça. Aquelas tantas pessoas a passar em direção ao trabalho, nas suas rotinas solitárias, com seus rostos entristecidos, mas nem todos. Os lixeiros passavam em três no caminhão a recolher os resíduos da vila num dinamismo e num sorriso de surpreender, após a chuva copiosa da noite última que passara. Deram de estourar alguns sacos cheios de ar e fazer um som tão estrondoso que o coração dela disparou e as costelas subitamente comprimiram seu tórax e abdômen que já vinham acossados por todos os lados. O ar a faltar nela e induzir as lágrimas; os intestinos a se retorcerem como a quererem expelir toda a angústia de uma vida, que agora lhe parecia mais angústia pela finitude do tempo, pelas escolhas que aviltavam seu pouco poder de decisão. Enquanto isso, ela avançava em ziguezague para se desviar da sujeira que não fora lavada pela tempestade; e a despeito de todos os esforços dos coletores de lixo, tudo permanecia lama misturada a uma grande variedade de substâncias a que chamam restos, mas tudo vivo com aqueles cheiros e cores fortes. Enquanto isso uma cadelinha no cio seguia também acossada por um macho, e tudo à volta não existia, senão aquela imprevisão de um ato necessário, urgente. E ela? Ela ia novamente naquele caminho repetido, ao passo que outros caminhos a sabatinavam como fantasmas intrometidos. O dia iluminado timidamente chegava para abrandar aquela noite escura dentro dela. Mas a cruz suspensa em sua mente permanecia, como uma busca qualquer de redenção; até que logo à frente aquela menina de vestidinho goiaba aparecia no amanhecer.
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2 comentários:
Olá passo em seu blog para convidar você a visitar o meu que é dedicado a cultura. De segunda a sexta feira noticiário cultural aos sábados minha coluna poética ás 09 horas da manhã e ás 5 da tarde Chá das 5 sempre com uma participação especial. Irei guardar sua visita lá. Abraços sucesso em seu blog.
Magno Oliveira
Twitter: @oliveirasmagno ou twitter/oliveirasmagno
Telefone: 55 11 61903992
E-mail oliveira_m_silva@hotmail.com
Ah, esses fantasmas...
sempre a perseguir, a permanecer nas mentes das meninas que crescem e viram lindas mulheres...
Lindo Keila!
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