segunda-feira, 11 de julho de 2011

Acaso vistes o ocaso?

Acaso vistes o ocaso? Como foi breve naquele dia, num piscar de olhos. Dessas transições pequenas no tempo como a fundir dia e noite. Naquele intervalo de sobreposição os cumes dos prédios quase alcançavam aquela montanha a circundar o vale. Estávamos assim, entre montanhas e arrancéus e menores, apenas arremedos de morar, afundados, mortificados pela altura do relevo e pela engenharia humana. Estávamos assim, trancafiados sob luzes artificiais, enquanto o sol frio e brilhante de inverno fazia raios de aquecer, lânguidos e queimantes, até se despedir. Foi então que veio a noite do eclipse com lua de dentro em moldura rosada a escapar. Foi então que seu coração num disparo de conduzir aquele sangue coagulado teimou em querer parar. O caminho era de tempo curto como o ocaso, mas tempo não deu. Não deu pra se despedir da lua branca que por hora estava sumida. Não deu pra dizer do amor que fervia por dentro e de toda pressão cavitária a anunciar a morte. Acaso vistes o ocaso? De dia com noite deu, de vida com morte não diria que deu. Com o ocaso veio esse mundo de nada que alguns supunham de tudo. Gúnnar vivia já cansado de tantos ocasos em desalento. Disseram de chofre em uma consulta cardiológica que não havia tanta força mais em seu coração e que seu sangue assumira lentamente um aspecto viscoso, daquilo que teima em petrificar. Talvez virasse estátua, um deus de amor no ocaso naquele vale de cimento a avançar. Quem sabe todos os ocasos valeriam. Mas não, seria enterrado como qualquer um e quem sabe em sua lápide colocariam alguns de seus versos mais amorosos, ou angustiados, ou injuriados. Qualquer um que fosse. Ajuda; gritava a moça sobre Gúnnar caído na rua em descida. Ela tateava os números no seu celular sem saber escolher entre o chamado e a acolhida do ocaso. O rosto um pouco avermelhado, os traços em labuta; o nariz de ventas alargadas a pedir ar, os olhos castanhos de sobrancelhas espessas a querer ver, os ouvidos a ensurdecer. Naquele momento todo o aparato biológico de Gúnnar se punha a certificar de suas percepções e ilusões, tudo era claro por instantes; por outros, era uma camada densa de poeira de pontos cintilantes a plainar e escorregar como a brincarem de pássaro e criança. Eram assim seus últimos suspiros, de vôo e brincadeira, enquanto a ambulância chegava resfolegando também com sua sirene infernal, tal qual uma trance entre o dia e a noite, entre a vida e a morte. E a moça constatou depois daqueles saltos sobressaltados do peito pelos paramédicos, o peito desaninhado, dolorido; dera-se o ocaso.

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