sexta-feira, 18 de maio de 2012

Duplo

Jamais se esqueceria daquela imagem projetada, sem contudo, por instantes, ater-se à primeira, a de origem. Era o reflexo no espelho que lhe dava a percepção da forma em posição fetal, quase um retorno ao útero materno, embora, agora, de dimensões incoerentes com aquela realidade pré-natal. De perto, a imagem parecia maior e apresentava uma expressão distante, como em sonho. O reflexo não; era próximo como um afeto, o desavisado desprendimento de quem não se vê, mas é visto à revelia. Um estado de arte, tamanha a sensação provocada naqueles olhos em espreita. E toda aquela epifania a gritar por dentro provocava um sufocamento para não desmanchar o feto, o enlace do tronco e das pernas, naquele enrosco divino, naquela respiração de quem ainda vai nascer. Um estranho afastamento em aproximação era o que ocorrera naquele momento; o exato entrelugar que por suposto fosse a verdade cambiante, a imprecisão da vida. Ou seria uma aproximação em afastamento?! Era perto e longe que tudo ficava claro, no reflexo da imagem e não na própria imagem. Não era uma pintura, mas uma sombra em cores e contornos precisos, enquanto nos olhos jazia uma revelação, uma outra metade inteira, entretanto, fetal, prestes a abrir o olhos, a chorar e desfazer-se em pernas e braços desalinhados, a ser o que era fora do reflexo. Guardou aquela projeção e sempre que se mirava na origem, no palpável dele, anterior ao espelhamento, fechava os olhos e vasculhava o instante do feto, e a epifania, a maravilha do duplo, retornava.

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