sábado, 2 de junho de 2012

'Anunciada'

Quase adentrou o cômodo, a sala de visitas, com aquela sua maneira sorrateira, de quem, quase sempre, recolhe-se no próprio quarto; uma existência discreta, sutil. Insinuou-se na quina da porta em uma noite dessas, cruzou os olhos da sobrinha esparramada na poltrona e anunciou: ‘morreu o Pedro B.’ ‘Quem?’ ‘O da padaria onde compro pão. A moça, a filha, está chorando. Ouvi da minha janela.’ ‘Estava doente não é; hospitalizado já?!.’ ‘Sim, estava, mas foi de velhice mesmo.’ Era assim; todas as vezes que recebia a notícia de uma morte nos últimos tempos. Parecia recear o anúncio da sua despedida. Ficava contrariado com o decreto que vinha com o envelhecimento; o certo fatal, a morte que espreitava todas as pessoas de sua história, conhecidos, íntimos e familiares. A velha e sabida máxima ‘quando novo não se vai, de velho não se escapa’. Não deixava de ter sua graça esse seu jeito de dizer como a exigir do outro esse compartilhamento da decepção diante do fim, do término que de fato era um ponto desprezível diante do acúmulo das lembranças de vida. E assim morre o homem na tentativa de ser, ainda que tenha até o último instante de decadência física, grato pela saúde da consciência tão gabada por todos, mas no fundo sonhando a insanidade, por pesar imenso de ver ‘a morte anunciada’.

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