quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Pequeno tratado sobre o arrebol

Que belo colorido tem o arrebol; nenhuma imagem pode causar tanta maravilha aos olhos como arrebol, e à mente também, se nos colocamos diante dele em pensamento e delírio. Aqueles tons alaranjados, rosados insurgentes, e ao mesmo tempo prestes a desaparecer com o clarão ou a escuridão; irônico arrebol, feito um lapso, instante de magia, revelação. Fora naquelas viagens sucessivas que aguçara a visão para o arrebol. Curiosamente ele se mostrou o momento mais indiscreto da natureza, pois que falava sem dizer, exatamente por transitar, insinuar o que começa e o que termina. Arrebol não contém, é apenas estado. Por não ser, arrebol é todo sentir em “anuviamento” de cor que muda pouco a pouco; deslumbra e angustia. E é na estrada que há mais arrebol, pela potência estrada de ponto a ponto, transição; arrebol de tempo a tempo; transição. Arrebol ao quadrado na estrada, imenso enquanto passamos por ele. Primeiro o sol em posição de intimidação, poente. Depois, sol em aparecimento lento, nascente. São dois arrebóis no curso do dia; um duplo enviesado que obriga dormir, acordar, fantasiar. Tem arrebol de mar de água, refletido; tem arrebol de montanha, céu a puxar. Nessa estrada era esse flutuar montanhoso, arbóreo, que se destacava. Os limites de montes tão precisos, as copas de árvores, folhas; tudo muito bem delineado a fazia pensar que arrebol provocava precisão de formas, ao mesmo tempo que as fazia massa uniforme, de um verde musgo indistinto. Era nesse instante arrebol que tudo parecia mais verdadeiro, pontas de árvores rechonchudas e estreitas a perder suas raízes e voar no céu, curiosamente indistintas. E se todo o dia fosse um arrebol?! Se todo dia nos obrigasse a mirar o céu e as formas na tentativa de investigar suas nuances, num momento de relativa cegueira?! Momentos de desatino e acomodação, um após outro...sem dia, sem noite; só arrebol. O que seria?! Ela chegava a pensar que a vida toda nesse instante arrebol se revelava em inteireza, que a lucidez morava nesse tempo de transição, e que o tempo que restava era só embuste, disfarce; essa busca incessante pela identidade, a fuga da transição, daquilo que não se localiza; multiplicidade. Sim, arrebol é a expressão máxima da semente, latente. Fôssemos eternamente arrebol, seríamos potência de ser, alheios aos mínimos e máximos, plenamente desequilibrados equilibristas em suspensão mágica. Alguém já havia chamado a atenção dela para o arrebol, mas nos últimos meses arrebol tomara conta de seus pensamentos e emoções. Queria tratar dele, arrebol, com reflexões exatas, embora soubesse que a inexatidão era o arrebol. Arrebol escapava de análises, pura sensação. Talvez o que deveria ser toda gente, arrebol.

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