domingo, 5 de julho de 2015

A bola certeira

Tinha poucos anos para se tornar menos medíocre. Sabia que a grandiosidade era para poucos, se é que de fato existia; a grandiosidade. Fato é que pesava-lhe um egoísmo e desejo de solidão, embora não pudesse fugir da necessidade de acalento, dos cheiros e fumaças da cozinha, dos cobertores e lençóis superpostos em meio a ruído de mãe e da felina misteriosa. É que a proporção se igualava de súbito; vontade de silêncio e de som. O palavreado sucessivo cansava-lhe os ouvidos, mas em silêncio atormentavam-lhe os pensamentos insuspeitos absolutamente tendenciosos, por vezes rasos e torpes, por outras, profundos e amáveis. Não via encantamento em quase nada, mas disparava-lhe o coração por uma arte em tela, por um filme a correr, por uma música surpreendente, por um texto prosaico e poético a dizer-lhe verdades de forma condensada e certeira a fazer-lhe reconhecer-se estúpida e também inteligente. Descobria-se neste ato de se desentender dia após dia, nessa dúvida própria dos medíocres, não piores, simplesmente medianos, jogados no mundo em lance desacertado em busca da bola certa, encaçapada sem rodeio no aro.

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