quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Pudim de leite moça

Ficara doente de caso meio grave. A família toda visitou, encheu o quarto, aumentou a temperatura, desatinou os ouvidos, quase comprometeu o coração de novo. Liliane se envolvera com ele por anos, a despeito do casamento. Não se importava, gostava dele, o que fazer...Chegou ao hospital meio sorrateira, de maneira que não topasse com a “família”. Poxa vida! Afinal tinha convivido tantos momentos bons, riscos, e pior, agüentado tanta rejeição...Esperou, esperou, até que se foram....Ufa! Gino estava lá, como que atordoado por tê-la esperado tanto. Sabia que ela iria de qualquer forma. Lili era ousada...era capaz de travar batalha com Catarina, sua esposa. O ‘caso’ espalhou-se por meia vizinhança e conhecidos dos conhecidos. Mas Lili foi assim mesmo; ela tinha o que dizer, ele também. Ela só não esperava que fossem falar de cozinha. Não levava o menor jeito. Gino desejava pudim de leite moça, daqueles repletos de furinhos, como a mãe dele fazia. Lili ficou orgulhosa, afinal de contas um paralelo com mãe é algo sublime, e o melhor de tudo; pedira para ela e não para Catarina. Lili tinha temperamento sincero. Confessou suas inabilidades culinárias, mas intuiu que não poderia ser pudim de padaria, aquela mistura sem personalidade. Descobriu uma doceira famosa no bairro, encomendou, levou para Gino, aprendeu. O segredo do pudim de leite moça está na clara que vira neve, que dá aquele aspecto de queijo adocicado e furadinho. Só assim o pudim flutua e se desfaz nas papilas da boca feito nuvem no céu. Os furos repletos de caramelo ligeiramente queimado dão aquele amargor discreto que equilibra o doce, dá a plenitude do sabor. Pudim de leite moça não era coisa simples, era preciso garfos e batedores ágeis, açúcar em fogo brando. O sentimento de Gino e Lili sempre pareceu vertigem. Depois do pudim de leite moça virou cuidado.

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