sexta-feira, 16 de julho de 2010

Camaleão

Parecia-lhe que o amor vinha tarde; e por assim ser, tardio, vinha com força descomunal, num ímpeto de solidão mesmo em presença, num querer abarcar todo instante com sentimento repleto, num transbordamento de cachoeira a escorrer por rocha cheia de falhas, a respingar o mundo. Parecia-lhe que o amor vinha cedo; e por assim ser, impúbere, vinha com incertezas certas a desequilibrar corpo e mente como redemoinho de rio a deixar ponta de pés e cabeça inviesados, puro lamento e afogamento, puro encanto e salvação até ver o céu de novo. Parecia-lhe que o amor vinha no tempo; e por assim ser, certeiro, vinha na madureza duvidosa, no tempo da fronteira, tempo de visões amplas, de visões especulares, lupanares, microscópicas. Parecia-lhe que o amor fugia; e por assim ser, fugidio, desvinha em turbilhões de fantasmas, de imaginários tortuosos, oceanos em tormenta, obscenos. Parecia-lhe que o amor vinha e desvinha, um camaleão em terra ferruginosa, ressequida e sedenta, em terra de vegetais de curvas repetidas e fatais, curvas de cores ocres, troncos de pele; e camaleão lá grudado, pele na pele a memorizar cada nuance, a sobreviver...amor camaleão...

4 comentários:

Paulo disse...

... por isso sobrevive, renasce e recomeça constantemente. Muito bonito.

Nina Blue disse...

E completando Paulo... De várias formas e movimentos, lindo, Keila.

icendul disse...

"vinha e desvinha", num processo de contínua regeneração. bom fim-de-semana :)

Renato Pittas disse...

entendo agora porque andas calada, observando os entornos para mudar as cores do teu metabólico parafrasear!

Soberana é a palavra, dela que nos fala!