quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Lagartos 3

Liria como a mãe não vivenciara o afeto paterno desde o início, mas teria a mãe sempre próxima. As duas seguramente não viram os lagartos no começo, mas tiveram visão reveladora tempos depois.

Em certo tempo de suas vidas apareceram vários lagartos no quintal, já em cidade longíncua dos tempos do sertão, dos tempos da vila. Elas descobriram que os lagartos estavam em todos os lugares, e sempre naquele andar vertiginoso de fuga.

Nos fundos da casa resolveram fazer morada nos buracos do canteiro. Botavam ovos, e dos ovos pequeninos nasciam diminutos lagartos de olhos gigantes, como desnutridos do sertão naqueles corpinhos fininhos, frágeis, naquelas barriguinhas protuberantes a mostrar linhas de assombro, sanguíneas e digestivas.

De toda aquela vertigem rastejante, sobrou apenas um lagartinho no ninho, ao lado do ovinho quebrado. A mãe de Liria quis criar o pequenino mágico saído do ovo; tentou alimentar com comida e afeto, mas ele insistia repetidas vezes na fuga pelo corredor em direção à rua. Um dia ele conseguiu e foi dar no jardim sem que nada elas pudessem fazer. No dia seguinte estava lá ressecado, rodeado de formigas famintas.

Liria achava que essa fixação da mãe em criar um lagarto era a lembrança do ovo da infância, ainda que só lembrasse por alguém contar. Algumas histórias eram como sombras, passados eternizados, e viriam em sonho e vida com diversos disfarces, faces.

2 comentários:

Valeria Soares disse...

Uau! Amei seu texto. Belíssimo!

Nina Blue disse...

Estou adorando...