domingo, 23 de janeiro de 2011

Nebulosas

Quando vira a floresta pela primeira vez rondava uma certa nebulosa à frente de seus olhos, como se fosse realidade e sonho imbricados, inevitavelmente unidos naquela noite. Era uma noite suspeita. De início não deixava ver estrelas. O chão de grama estava úmido da chuva ao toque de seus pés parcialmente nus. Ia ao encontro de alguém, onde um aglomerado de pessoas em burburinhos se formara, ao som de música, no balanço alguns corpos, enquanto o céu aos poucos se abria em estrelas. Enquanto isso, a floresta ia adiante, na calmaria.

Não se lembrava bem da lua naquele dia, mas certamente ela aparecera, ainda que discreta, pois que no caminho da floresta os contornos dos troncos e galhos das árvores eram perceptíveis, embora, por vezes, se confundissem com a cor da noite. Umas mãos a guiavam, as mesmas que a acomodaram naquele pedaço de tronco, que mais se parecia um barco em espera. Muitos, certamente já teriam se sentando ali a silenciar, a conversar, a se tocar.

As mãos que a guiaram disseram que o lugar era de seu agrado, porque era tranqüilo e levava a outro lugar que lhe inspirava. ‘Nunca levara ninguém até ali’, aquelas mãos lhe confessaram. Ela sentira aquela afirmação como um segredo. Não foi longa a visita, apenas o suficiente para que ela guardasse na memória. Eram as mãos que mais lhe valeram naqueles instantes de nebulosa, e também os olhos das mãos, porque o lugar seria para ela um tanto inóspito, e quem sabe jamais visitado com pouca claridade.

Ela voltara àquelas imediações da floresta depois de algum tempo à luz do dia. Não fora com o intuito de vê-la, mas ao finalizar seus propósitos naquele dia, resolveu retornar, reconhecer aquele lugar tão próximo que nunca avistara e que finalmente alguém a apresentara. Custou um pouco a reconhecer a entrada, o caminho, intimidou-se com supostos olhares, mas o encontrou sem pergunta alguma a qualquer um que fosse.

Estranhou que a floresta encantada fosse meio rala, de árvores menos numerosas. O noturno havia lhe concedido uma atmosfera mais densa, um silêncio de esconderijo. Mas ali na claridade a floresta não provocara desencanto, apenas lhe mostrara sua outra face. Naquele dia em que fora apresentada a ela, ficara pelo meio do caminho. Desta vez resolveu ir mais adiante, até o princípio de qualquer fim.

Seguiu lentamente pelo passeiozinho calçado, e não pôde avistar com clareza todos os detalhes. Redimiu-se da tentativa, desculpou-se pela nebulosa do outro dia. Avistou uma moça fardada vindo em sua direção e ficou meio receosa por ser o caminho bastante ermo, porém, não houve qualquer olhar de reprimenda ou curiosidade para ela. Continuou seguindo, até que o som invadiu seus ouvidos. Embora parcialmente misturados, foi possível perceber com nitidez a quase exata localização de onde vinham.

Os sons ressoavam de um prédio dividido em duas metades; de um lado, um instrumento de sopro a entoar uma música um tanto melancólica, de outro, a música de um piano, esta mais incisiva, forte, com ritmo mais rápido. Foi uma nítida sensação de entrelugar. Mas fora também o princípio do fim, pois que chegara ao fim daquele caminho guiada por uma lembrança, que neste dia veio-lhe muito imponente. O sentimento da especialidade daquelas mãos a guiá-la pelo caminho escuro, que finalmente daria em um lugar de sonoridade tão variada a provocar tantas sensações.

Ela percebera que a nebulosa eram aquelas mãos que a guiavam; porque elas existiam é que sua visão não se mirou no detalhe, não se potencializou na escuridão, e o momento era de criação, caótico. E essa segunda visão fora de magia diversa, de encanto em potência, posto que de descoberta autônoma e de retomada, de uma prévia visão, que dizia; ‘preste atenção a esse lugar, ele leva a outro lugar, sinta o encantamento desse lugar, desse lugar que se faz no nosso existir’...

Outras nebulosas viriam, as necessárias que fossem, mas aquele momento de nebulosa que vivera, sua explosão em estrelas, era absolutamente original ainda que aparentemente ordinário. Ela constatara que sempre surgiriam novas criações, incontáveis constelações no céu e na alma, e que os olhos nus seriam sempre frágeis, débeis para perceber tamanha grandiosidade...Era preciso estar atento às nebulosas, senti-las; era preciso estar muito atento, pois elas eram a própria alegria.

3 comentários:

icendul disse...

olá, keila:)
ando a organizar os meus contactos de e-mail e msn, pq perdi uma conta antiga e quero pôr tudo em ordem. ano novo, vida nova!

achei que era uma pena não termos mais contacto, pq embora nem sempre consiga dar a atenção devida à blogosfera, há sintonia contigo. se quiseres, fica com o meu contacto de msn e adiciona-me:
i2_s2@hotmail.com

ou então com o meu e-mail pessoal, que tb dá para teclar, caso tenhas uma conta gmail:
chez.i2.s2@gmail.com

o contacto que aparece no poros está mais destinado ao armazenamento de comentários.

sou franca: devido ao trabalho,tenho muito pouco tempo para conversar na net, mas volta e meia, sempre dá e por mim é bom ter contacto com a cultura brasileira.

bom domingo, vou passando por cá:)

Nina Blue disse...

Keila, amei ler todos os seus textos de uma tacada só. Foi bom saboreá-los, e em "Nebulosas" mudar de lugar no teu Entrelugares...

Beijinhos!

Fred Caju disse...

Estava só esperando a Saga dos Lagartos ara elogiar. Muito bom e surpreendente com os reptéis lhe renderam linhas. Parabéns!