quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Lucidez

Clara chegara à conclusão que a lucidez era o próprio desatino, e tino mesmo era coisa de gente sonhadora. ‘Porque sonho, mesmo parecendo desatinado, é cheio de verdade’, pensava ela . ‘Agora, na Lucidez cabe tudo, verdade e mentira.’ Por isso a lucidez nela doía e causava tanta confusão, paralisia. A lucidez se ria dela sarcasticamente e o que restava era um movimento de abandono, de dúvida e angústia. Ela jurava que amara com sinceridade, que se doara, que fora confessa, translúcida. Mas quando tentava se ver no olhar do outro, confundia-se e voltava-se pra si como uma estranha, alguém que nunca vira, ela mesma tão ela a transbordar seu próprio eu, seus desejos bem e mal conformados. Percebia que o ver do outro não estava tão à mostra, que na mente do outro ela era um externo inatingível, e que tudo se misturava no outro e fazia uma outra forma dela. Clara estava só e seu amor e temia que amor fosse coisa só de um mesmo, que amores eram sempre diferentes de um pro outro. A prima Lucinha dizia ‘acho que eu amo o amor. Mas creio que o verdadeiro amor é ágape, dedicado e sem egoísmos.’ Talvez Clara amasse também o amor e o outro como personificação desse amor jamais alcançaria esse sentimento tão subjetivo dela, que não soubera ainda fazer avançar em direção ao sentido ágape, de um dar sem limites e exigências, de uma calmaria de sereno, quando a claridade do dia ainda não ofusca. Clara era clara e obtusa, amava sem limites, mas carregava em si limites irreprimíveis. Eram esses limites que doíam, a razão da distância do outro. Embora ela tivesse crença pia na pureza de seus sentimentos, sentia máculas insondáveis em sua natureza já acometida pela razão mais desarrazoada. Intentava possibilidades de desgarramento dela mesma, porque sabia que a dor vinha de dentro muito mais forte que de fora, porque o outro era sempre um motivo a despertar o de dentro, porque sabia e não sabia, mas queria descobrir, viver o sonho lúcido, um desatino de verdade, um amor ágape.

4 comentários:

Nina Blue disse...

Lindo Keila, o amor incondicional, tão perto e tão longe de nós e do outro...

Daniele Negreiros disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Paulo disse...

A busca, sempre a busca.
Clarice Lispector diz em A paixão segundo G.H que: "poderei parecer ter falhado, mas só eu saberei se foi a falha necessária..."
Lindo seu texto, muito forte a sua reflexão. Parabéns, Keila.
Bjinho

Maria disse...

eu nem consigo comentar muita coisa. porque você é sempre tão quase perfeita nas coisas que escreve.

[e nas que adivinha dentro de todo mundo]

todo mundo é igual. mas uns sabem dizer bem.

beijo!