sexta-feira, 25 de março de 2011

'Compridez' e finitude

A vida é essa mistura de ‘compridez’ e finitude, pensava Liria. É comprida quando se faz cansativa, a despeito de inúmeras possibilidades e nenhuma a que se queira realmente acolher. É finita porque a morte sempre à espreita; vem fatal ou vem de um jeito mau, lenta e dolorosa. Esses dias Liria recebeu a notícia da morte do tio Senhorzinho, quase só conhecido pelo apelido parecido com ele, um senhor pequenino. Talvez uma delicada paródia para o seu jeito distinto e para uma terra de coronéis, sempre de coronéis. Mas ele não era coronel e sua morte seguramente não fora pequenina, como nenhuma outra. A dele em especial, nessas cidadelas do interior, eram não festejadas, mas gentilmente acompanhadas num velar de casa a receber parentes e amigos. O aconchego dos almoços e das festas era o mesmo aconchego do descanso, qualquer que fosse ele. Seguramente, intuía Liria, o morto ali estaria menos intimidado, cercado pelos objetos assujeitados de uma vida. Nada mais impessoal que um velório numerado repleto de coroas de flores enviadas apenas por pura formalidade. É certo que em qualquer lugar existem os comparecimentos ‘obrigatórios’, mas certamente o morto velado no interior das suas próprias casas é mais respeitado, posto que continua a ser o anfitrião mais importante daquele espaço; não é deslocado de seu ambiente por rejeição da morte; continua querido, acolhido. Senhorzinho é grande em sua casa; no velório 1, 2 ou 3...seria apenas mais um, disputado por empresas funerárias, ausente na morte, comercializado até em ausência. Liria se perguntava: porque aumentar a morte em lugares tão impessoais, porque querer retirar a pessoa de seu espaço com tanta pressa se o usual enterro já era tão definitivo e árido. Senhorzinho nasceu no semi-árido, em terra gretada de sol, cercado de vegetação rala e arbustiva, sem as frondosidades do clima úmido. Senhorzinho viveu seu lado criança, seu lado moço, seu lado senhor(inho). Senhorzinho morreu em casa e lá foi velado ausente presente, nesse entrelugar mais confortável, mais amoroso, distante dos grandes centros urbanos em que morte e vida são anônimas, seriadas e objetualizadas, informes. Pelos relatos sobre tio Senhorzinho, que quase alcançou a oitava década, a vida relativamente comprida não era cansativa; houve alegria, flores e danças. Houve também dor. A vida talvez fosse uma mistura mais cheia de elementos, concluía Liria: ‘compridez’, finitute inevitável e finitude de momentos diversos, tristes e alegres.

2 comentários:

Nina Blue disse...

Sabe o que mais gosto daqui, do Entrelugares?
A capacidade de passear entre tantos cenários, ora alegres ou tristes, ora bolas, definitivamente significativos.
Beijos, Keila!

Carlota Joaquina disse...

De novo: AMEI!!!!! Q blz esse aq...me lembrou minha terrinha amada: Ubá.