quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Com quem será?

Sua cabeça fervilhava, mas não de uma perfusão de acontecimentos, lembranças ou versações da alma, e sim de um único assunto, o qual nada nem ninguém jamais conseguiria remover. Virgílio tinha, aparentemente, meia idade, porém nada em sua imagem revelava desgaste excessivo; o corpo era esbelto em baixa estatura, os dentes bem cuidados e as linhas pela face ainda rasas. Ela o conhecera na rua mesmo, paralela à estação do metrô, de camisa azul com logotipo, calças jeans. Os cabelos grisalhos colaboravam com a aparência distinta, mas o sorriso revelava algo de torpe, sedutor e enganador. Encontraram-se algumas vezes, muitas talvez. Contudo, a vida dele sempre pareceu, a ela, um tanto nebulosa. Diziam que era separado da esposa, era professor de instituição reconhecida, ainda que não ganhasse muito; pegava o trem urbano todos os dias e, por vezes, na sexta, tirava seu carrinho da garagem. Seus encontros foram sempre furtivos, guardados para beijos e roçar de pele e pêlos e mãos exploradoras, na praça, no bar, no cantinho escuro da rua. Nesse tempo ela andava com sorriso sonhador e queixo avermelhado. Disso tudo, sobrou quase nada na alma dele e tudo na dela, uma batida forte na cabeça; Virgílio, Virgílio, Virgílio...e uma seqüência de ladainhas, tanto que as falas se repetiam e também as inconclusões.“ Ele está com ela. Tô falando. Ela, a Mariângela, é ela, ou então é a filha dela, porque a filha dela é nova, bonita.” Outras vezes se lembrava de Mara, uma vizinha, que tinha se envolvido com Virgílio em primeira mão, ‘aquela traidora, que me trazia salgadinhos com a cara mais limpa’. Depois era a Gina, negra corpulenta da escola, bem vestida com pose no carrão. Mas agora era mesmo a Mariângela; ‘a conversa dela é esquisita. Ela comprou até cama de casal. Agora deve estar lá deitada com ele no bem bom e eu aqui sozinha.’ Ela se ressentia por não ter dado boa vida ao Virgílio. Lamentava não ter lhe dado a comida quentinha e outras quenturas descaradamente. 'Eu acho que a Mariângela deu até carro pra ele. Eu vi ele saindo do prédio dela na hora do almoço. Bem, ou tá com ela a Mariângela, ou com a filha dela, que é nova, bonita.' E interpelava e concluía: ‘ele não presta né? Nem vou mais ligar pra ele; ele não presta mesmo...mas é tão bonitinho...eu gostei tanto dele...’ E duvidava: ‘ou ta com ela, a Mariângela, ou com a filha dela, ou com a Mara...ele teve um caso com a Gina também...’

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