quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Tempo perdido I: o quarto

Existem lugares em que a intensidade do sentir toma proporções consideráveis. As emoções explodem feito vargem seca, numa batida seca e forte, e espalham as sementes dos afetos e desafetos guardados, resguardados talvez. Mas isso quase sempre acontece nos quartos pequenos, nos lugares pequenos, onde os limites esbarram na gente e trazem revelações. Alguns têm os ânimos acirrados e decepcionados se põem a chorar; outros têm os corações pulsantes por tanta visão de liberdade e querem ter essa liberdade, e se desfazem em deselegantes risos. Os humores são cáusticos, mas doces também. As ironias e gargalhadas enormes ecoam na atmosfera. Esses são os lugares dos encontros; não das apresentações formais, mas das negociações inesperadas e necessárias. E foi assim, num desses pequenos lugares que nos encontramos e reencontramos; Milho Verde verde de esperanças verdes, de danças convulsivas e reflexões eufóricas e paisagens encanto. Milho verde, um lugar perdido no tempo, dos tempos da rotina da gente, escorregadio tempo...Lá o tempo é mais fluído, mas contraditoriamente tem ares densos...Eu e minhas companheiras de ‘quarto negociado’, dando pra serra bonita; um lugar pra ver as nuances do céu, sempre surpreendentes, diferentes; um lugar para o conversa solta, os pareceres imprecisos e certeiros, da fisiologia da gente, da fisionomia da gente...Eu e a sempre companheira Ana Márcia de tempos, de viagens tantas, de saberes tantos do conviver...eu e Silvinha, amiga emprestada que já virou amiga minha, sempre bem disposta para as aventuras e venturas...Eu e Marisa, menina de palavras engraçadas, de língua solta e sentimento pulsante...Eu e o casal vizinho, Vanessa e Algemiro, emprestando espelhos, secadores, rodos, emprestando afeto e atenção...Eu, simplesmente eu e o que qualquer um quiser achar e me revelar...Nem sei se elas perceberam a preciosidade daqueles instantes de ‘perrengue’ por falta de água para o banho, por falta de luz...aqueles momentos em que a falta nos coloca cara a cara com o limite, e nos permite sondar e expressar sentimentos de revolta, tolerância e humor...e nos permite pensar sobre o significado real da falta, que é, muitas vezes, o sintoma de um costume, de um hábito, e não de uma necessidade urgente...Estivemos no tempo perdido achado, lá na cachoeira do tempo perdido, com sua cortina de água cortante...o cortante tempo perdido sem os afazeres cotidianos, guardado para o encontro do tempo, na verdade o tempo do encontro.

2 comentários:

Helvécio Rodrigues disse...

Muito interessante seu olhar sobre nossa estadia em Milho Verde.

Me parece, interpretando esse "seu olhar", que você quis dizer que a intensidade do sentir seja maior em Milho Verde devido à falta do desnecessário que nos confronta com o limite. Certo?

Mas também, acho eu, porque se nos falta o desnecessário podemos então nos ocupar com o que realmente importa e não ficar lamentando essa falta. Talvez assim o sentir intenso se concentre não em humores cáusticos e ânimos acirrados e decepcionados, lamentando a falta de um luxo, mas em revalorizar a experiência do encontro. Se percebi bem isso está no centro do seu olhar sobre a estadia em Milho Verde.

Helvécio

Silvia Ancelmo disse...

Fico sempre maravilhada com a riqueza de detalhes de seus textos. Textos pequenos que expressam grande variedade de sentimentos. De forma inteligente e discreta você nos levou a perceber o quanto fazemos tempestades em copo d'água. Adorei.

Silvia Ancelmo