Histórias sempre estão na fronteira; por mais que tentemos acomodá-las elas esbarram no real vivido, ouvido, lembrado; elas esbarram no imaginado, sonhado, criado...por isso evocamos os entrelugares, onde cabem o contraditório, o surpreendente e até o esperado...todos eles permissíveis à intromissão do eu e também à sua ausência, mesmo disfarçada.
quinta-feira, 22 de abril de 2010
Escapava
Ela escapava de si mesma e procurava ao redor um sinal mínimo de sua existência nas pessoas, nos objetos. Ela escapava de si e por dentro vagava um vazio, cheio de tão vazio, enquanto os olhares buscavam nela uma completude ainda que vaga. Ela escapava e voltava diante de si mesma e se aterrorizava por escapar e voltar para o mesmo ponto ausente, silente e insurdecedor dela mesma. Ela não queria escapar, queria antes voltar e permanecer, mas escapava e se sentia cava rasa e cava funda sem fundo, de outro mundo e desse mesmo mundo de atitudes parcas, responsabilidades inexistentes de si para si, de si para o outro, esse mesmo outro ela mesma espelhada na sua originalidade pouca. Ela escapava louca e rouca cantava e sóbria calava e inventava mesuras, desculpas sem culpa, e plantava um jardim sem flores. Ela escapava num instante e permanecia eternamente na escuridão das idas indeléveis de sua alma. Ela escapava dos vindouros, antes por carecer do ir que por recusar o vir, mas recusava esse vir para ela mesma, como se fosse sombra de insanidade; o vir. Você virá? Perguntavam-lhe. E ela escapava ainda que viesse...
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Um comentário:
Excelente, cheio de intensidade e ritmo. Parabéns.
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