sexta-feira, 14 de maio de 2010

Angústia

Ela não tinha canto algum para se recostar, senão nela mesma; um canto desarmônico, de melodia ensurdecedora e muda. E tudo aquilo que gritava era fundo, surdo, enquanto seu corpo revelava de si para si uma inquietação desconcertante; e ela se postava perante a angústia, crente, penitente, e ninguém ousaria imaginar os turbilhões que percorriam sua carne e ossos. Nada mais poderia dizer de si, senão da dúvida e da certeza que vinham tempestuosas, em corredeiras e redemoinhos, em ventos por corredores estreitos, ecoando nas madrugadas frias. O dentro e o fora eram tangentes; beijos de enlace, reconhecimento; beijos em escapada, desejo e ansiedade. Não saberia dizer de que matéria vinha esse humor angustiado, se do querer amar a si, o outro, ou a si própria revelada no outro, o outro que a fazia existir, uma percepção, uma reflexão de ângulo perturbador e encantador. Tinha para si que esse angustiar era o querer descobrir, e que o sentir dessa descoberta como negação , a deixaria irrefletida no viver, sem marcas de outros, daquele outro, o qual ansiava reconhecer; sem o qual viveria, mas diminuta, próxima do sentimento de finitude. Era urgente essa calmaria, esse outro a acalentar, a interpelar sem receios e julgamentos no ouvir, esse outro reflexo dela mesma nas sensações e lapsos de conclusões de cada parte de seu corpo e de sua mente. Inferia que essa angústia era desejo de amar e de ser amada...

5 comentários:

icendul disse...

o outro como certificado de existência.

Renato Pittas disse...

um sorriso ilumina a sala, vontade de sorrir para você e não de você, me ver assim na palavra de outro, é me reconhecer nesse outro que me mostra tão profundamente empatias possíveis.

Grato!

Suelen Braga disse...

Lindo demais seu escrito
estou seguindo

beijo grande =*

Nina Blue disse...

Sempre acreditei que o outro é o nosso principal significante. Lendo teu texto (que adorei), lembrei de Rimbaud :"J'est un outre".

. disse...

Forte e belo.