segunda-feira, 17 de maio de 2010

In(comunicante)

O japonês chegara com sua família há tempos no Brasil. Falavam do seu jeito rude, da sua dificuldade em falar o português, da sua resistência do dizer e do sentir na língua estrangeira, como se quisesse esconder os motivos da animosidade com os outros, posto que ninguém saberia do que se tratavam os seus rompantes . Assim, ele ficou, praticamente, um oriental sem lugar, mas de casa posta em terras brasileiras. O dinheiro para o sustento da família era mínimo. As brigas com a esposa japonesa reverberavam por toda a rua e no coração dos filhos, que nasceram brasileiros. Em casa só se falava japonês. A mulher se foi, e a herança de discussões, agora com os filhos, continuava a render comentários imprecisos, uma vez que todos continuavam ausentes dos motivos. Um dia nem tão belo, nem tão feio, o viúvo japonês deu de olhar para uma loira da vizinhança; olhava pra ela de olhos miudinhos num apertar que a ela parecia muito sedutor. Estabeleceu relação amorosa com ela, somente para as coisas do corpo e do bolso, já que não se falavam por incompreensão da língua. Comprou-lhe mimos, pagou-lhe cirurgia para aumentar os seios e outras partes, divertiu-se com a possibilidade de deixá-la cada vez mais desejável a ele e a ela também, a qual não se furtava de manifestar sua ânsia de consumo. Ninguém sabe como se davam as negociações e sequer se havia algum mediador, enfim, como era o diálogo entre eles. Pouco tempo se passou e o japonês sofreu um acidente vascular cerebral. Hoje os filhos o colocam pra tomar sol e ar na porta de casa, e por definitivo ele não entende nada em português e esqueceu-se também do japonês. Sua língua agora 'descansa' e deixa vazar a saliva escorrida, que antes eram perdigotos rígidos, cifrados em japonês, ao alcance dos rostos e olhos retesados de espanto. A amante contraiu outro amante, homem mais jovem de poucas posses, mas continua a passar pela rua com os seios cada vez mais fartos e rebolado firme, enquanto o japonês escuta atordoado línguas em desacerto, ininteligíveis...

Um comentário:

Ricardo Fabião disse...

Keila...
adorei o conto.
Fatalidade, realismo e ironia na medida certa.

Muito bom mesmo!

Mas, tenho outra razão para estar aqui:
É que tem um presentinho para você no meu blog. Passa lá.

Beijos.
Ricardo.