segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Esferas insustentáveis

Era no redondo e nas reentrâncias do ombro o reconhecimento do amor. Não havia outra parte mais reveladora nele, que lhe fosse mais atraente e contente de tocar, de acariciar, como se ali estivessem guardados todos os motivos de amor e desamor, tudo revelado naquela circunferência de tato, os dedos dela no ombro dele. Era como apalpar a bola mágica, e então todas as imagens não tardavam a se desfiar como claras e débeis. Era naquele sustentar frágil de certa vez, ou por todo o tempo, o ombro - um lugar que guardou sua vida, seus enlevos, suas derrotas, seus músculos e ossos em articulação de imponência e decadência -, que ela se mirava, se misturava. Era no redondo do ombro que ela sentia o pulsar do coração dele, o porquê de, por vezes, bater lento e descrente, alheio, ausente. Era talvez a profunda angústia nesse toque, a inquietude de conhecer tanto desvelamento, que o fazia delícia. E era também um ninar de criança desprotegida, como se o choro pudesse minar súbito daquele ombro e banhar em vertigem todo o corpo amado, e respingar nela, até que os dois fossem só rio, e seus ombros apenas esferas a flutuar sob um sol morno e brilhante, leves ombros por amar, insustentáveis.

4 comentários:

Francisco de Sousa Vieira Filho disse...

Lugar.ejando... :D

Nina Blue disse...

Querida Keila, últimamente ando sem palavras, mas as tenho sempre pra você: eu gostei muito!
Ah, esses ombros...
Beijos.

Paulo disse...

nada como um ombro para repousar e sonhar. Muito bem. Beijos

Renato Pittas disse...

Ombros são os berços do enlevo, sempre cri e me aconcheguei e aconcheguei tb.

A minha voz na sua boca!

Grato