sábado, 22 de janeiro de 2011

Lagartos 5

A visão daquela lagartixa ali esmagada no portão, rodeada de formigas de traseiro cor de ouro foi um tormento para elas. ‘Que dó’, lamentou a mãe de Liria. Primeiro espremida sem ninguém que a avistasse, depois comida lentamente por aqueles insetos carnívoros. Que sina mais triste, morrer assim num fechar de porta, num trancar displicente. E toda morte não é mesmo um fechar de portas e não se dá de susto, por acidente, muitas vezes?

Elas também poderiam ir desse mundo nesse piscar de olhos. Agora pior que piscar e não ver mais seria olhar e não ver. Não ver mais os lagartos em suas fugas vertiginosas. E nesse não ver definitivo, serem carcomidas por quaisquer insetos ou organismos microscópicos sem qualquer salvação.

As lagartixas sempre foram bem vindas naquela casa, sobretudo, é claro, por seu adorável gosto por baratas; um inseticida natural e ágil. Além disso, esses pequenos lacertídeos lembravam a elas réplicas diminutas e delicadas de répteis pré-históricos, quase míticos a vagar por florestas distantes. Só que estranhamente vieram conviver nas casas. Em que momento teria se dado esse movimento lacertídeo para um ambiente tão hostil, em que portas e trancas podem os esmagar quase sem chance de fuga?

Elas se sentiam assim; sem chance de fuga. Esmagadas e rodeadas por formigas famintas a roer suas idéias e sonhos simples, seus olhares deslocados na multidão. Talvez outros também se sentissem assim e vagassem por pensamentos inconclusos, por terras desconhecidas, alienígenas. Por isso, os lagartos as encantavam, e as lagartixas, em habitat tão antinatural, intrigavam-nas.

Um comentário:

Nina Blue disse...

Gostei da analogia que você fez no último parágrafo...
Muitas vezes nos sentimos assim!