terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Lagartos 1

Não que fossem eles os únicos fugitivos, mas Liria sempre se surpreendia com aquele movimento rápido dos lagartos pelo chão, pelos muros; surpreendia-se com a agilidade do arrastar frente a qualquer perigo, verdadeiro ou falso. Isso sempre ocorria a ela; largartos de todos os tamanhos e nuances nem tão distintas pelas ruas que caminhava, pelos muros que margeava, pelas matas que visitava e mesmo nos quintais.

Liria nascera em uma casa que não se lembrava e só vira por fotos de um álbum de infância. O quintal tinha ibiscos vermelhos, assim aparentavam, posto serem as imagens em preto e branco. O lugar tinha terra vermelha, a que o tom de cinza precariamente tentava imitar, embora muito atiçasse a imaginação. A casa também era de pisar em vermelho, daquele vermelhão de concreto tingido, sedento por cera pegajosa, lindo sangue a brilhar por baixo.

Nesse tempo, esse de que ela não se recordava, os lagartos deveriam estar, e talvez Liria corresse atrás deles, ou mesmo se aproximasse enquanto eles fugiam. Liria não se lembra deles naquela vila distante de sua infância primeira, de seu primeiro ano de vida. E foram tumultuados esses instantes, contava sua mãe. As duas migraram para aquela pequena cidade em formação, cidade em busca do encontro ou do desencontro, do povoamento. Fora talvez uma viagem de fuga aquela ida, fuga para encontrar? Ela ainda ia barriga adentro, naquele rio morno, amniótico. E foi com esse ventre repleto que sua mãe navegou também no largo rio de nome também largo, rio do norte.

Por pouco tempo Liria permanecera ali, e nunca mais retornaria. Talvez toda a angústia do seu nascimento estivesse guardada naquele lugar, fincada naquela terra encarnada, naqueles momentos de chegada e largada para o mundo, quando os lagartos ainda não apareciam para ela.

2 comentários:

Sara_Evil disse...

"naqueles momentos de chegada e largada para o mundo, quando os lagartos ainda não apareciam para ela."...every lizzard's tells a history.

Lindo o grafismo sugerido aos vermelhos sanguíneos....por nós pizados...viceralidades aminióticas

Kar1ños...

Nina Blue disse...

Interessante como você conseguiu transformar o nascer (na maioria das vezes com certa angústia), de forma tão bela, com cor e movimento... Lindo texto Keila!
Beijos!