quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Soletrado

In-sig-ni-fi-cân-cia… Era assim desse jeito soletrado que seu sentimento vinha, quase num ecoar de badaladas de sino intermitente, e essa palavra tinha quase a exata substância do que ela sentira durante muitos anos de sua vida, embora, por vezes, tentasse se enganar. E aquelas imagens de rotina, que vez por outra se mesclavam com uma ordem de insatisfação com tudo, mas sobretudo, com o passar do tempo irremediável. Ao lado aquela face já marcada e aquelas mãos já gastas no traje preto e nas pulseiras de contas a rememorar um tempo; e num paradoxo a mesma inquietude com o bater forte do sol na pele ainda sensível. Na descida de um ponto de ônibus qualquer aquela outra face de dentes alvos e olhos arbóreos, quase um esperar calmo, sem desatino, uma promessa. Mais uns passos e lá vinha a fadinha no borboletar de asas e óculos cor de rosa e aquele vestidinho verde água puxados pela mãe, apenas uma fantasia da vida que por não se saber vida real, sobrevive imageticamente, com delicada força, até desaparecer... assim como o passar do tempo...até desaparecer...In-su-por-tá-vel, assim soletrado também, era toda a ambiência em que ela se apresentava, porque dentro de si havia algo que faltava tão densamente, que transfigurava tudo a sua volta num remoer de coisa já moída, prestes a desaparecer...E ela não queria ser solidária, companheira, nada do esperado dos outros, senão a pura imagem do desprezo por tudo a sua volta, porque dentro tudo era confuso e triste e não havia sentidos para se mover nem sequer com os olhos, nem para ouvir quaisquer palavras, posto que tudo soava fúnebre ou irritante. E os sorrisos a sua volta eram luzes piscantes, ‘insubstantes’, e naquele mero instante vinha um sentimento de também querer sorrir, mas o rosto encontrava-se de tal forma retesado, que o sorriso sairia mais um desagrado ou um susto de dentes à mostra por força que por querença. E aquele movimento todo em busca do nada e do tudo a sua volta era um passo inconsistente no vácuo...e naquela vastidão aprisionada nas beiras de uma mesa qualquer, de umas paredes quaisquer, de uns aparelhos inevitáveis ela se postava feito um artefato qualquer, crente que alguém a confundisse, a esquecesse, até desaparecer...De-sa-pa-re-cer, soletrado assim...tinha algo de sublime que ela não queria, senão o desaparecer rápido, sem sílabas, num átimo...Que fosse o desaparecer esse próprio segundo, mas de primeira leva, sem seguridade, lamentações e hesitações...Sumir....Su-mir....até desaparecer...sem voz que sair, sem ouvido que guardar, sem olhos que consentir, sem nariz que farejar...Es-que-ci-men-to...

Um comentário:

Anônimo disse...

Oi Keila,

Pelo jeito "ela" ainda não conheceu a sensação de uma profunda meditação...:). Bjos, tá lindo isso aqui.