quarta-feira, 12 de março de 2008

Quixote Pança; Sancho de La Mancha

Há algum tempo tento decifrar os segredos do cavaleiro andante e do escudeiro de Cervantes. Um cavaleiro triste, esquálido, sempre a sofrer arranhões e feridas de performances em batalhas imaginárias, e além de tudo eternamente apaixonado por Dulcinéia Del Toboso. Um escudeiro pançudo, ‘experimentando’ ser governador da Ilha Baratária. Os dois tão juntos; misturados na loucura ou na ilusão? Andam tão próximas essas duas; praticamente irmãs gêmeas. Dizem por aí que o que as separa é apenas o tempo. A loucura seria um estado permanente. A ilusão, inevitavelmente, refém da lucidez. Ou ainda, que a loucura seria uma sucessão de ilusões. Como andam juntas as duas, femininas e confidentes, a separação é mesmo improvável. Por loucura ou ilusão, La Mancha e Pança eram extremados, e o excesso é mesmo coisa da imaginação, posto que o equilíbrio se dá muito mais com a razão. Quando têm dores de amores, dizem as pessoas: “estava louco, foi pura ilusão.” E quando sonham com o sucesso, a felicidade plena, dizem: “isso não existe, a felicidade é pura ilusão.” Outro dia desses vi um andarilho fazendo um solilóquio, ou seria um diálogo imaginário? Ele se deliciava em gargalhadas e gestos exagerados, no seu mundo paralelo. E tem tanta gente aí que se delicia em pensamentos tresloucados, e as vemos tão comedidas, controladas. Vivemos assim, cercados por essas femininas deusas; Loucura, Ilusão e Razão. Todas as três desarazoadas, sustentáculos da existência, as responsáveis pela mistura da pândega e do comedimento, da alegria e da tristeza, das panças e manchas, dos Quixotes e Sanchos.

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