sexta-feira, 11 de julho de 2008

'Noite'

Olharam pra ela, profetizaram: “Noite”. Tinha pele escura feito sombra, cabelos e olhos negros, quase azulados. A menina era miudinha, estreita como o alcance da visão noturna. Traços finos, nariz aquilino, inquisidor da cor da noite. Era daquelas pessoas sem nuances, de uma definição precisa. Tinha temperamento discreto, sorriso alvo sem largura, comedido. Enquanto bem pequena não ligava; o nome era apenas uma representação sonora que lhe remetia, lhe sugeria a brincadeira, o alimento, a voz familiar.

Lá pelos idos dos sete anos de idade, a palavra, o nome, o seu nome começou soar estranho. Noite pensava na imagem da noite, no escuro, nas imagens sôfregas, imprecisas em busca de um pontinho de luz para se revelarem. Poderiam tê-la chamado Lua. Se fosse nova seria um pensamento. Se minguante, um apelo. Se crescente, um alento. Se cheia, contentamento. Nunca conhecera ninguém que se chamasse Noite, mas não via nessa originalidade nada de vantajoso. Ainda se fosse Dia, terminava como Maria e iniciava com a luz do sol. Não ligava também de ser Sol. Mas já tinha aquela sensação do nome, que pega a gente misteriosamente; não se via Lua, Dia, nem Sol. Tinha medo mesmo era de se confundir com a noite, se misturar nela, e nunca mais a encontrarem.

Quem deu o nome foi o pai; mineiro, colocava poesia em tudo. Jovelino achava a noite muito mais interessante que o dia. Achava que mistério da noite era mistério nada, era sim uma hora de escutar o silêncio, de enxergar com agudez, de dançar tango, bolero, de cortejar moças, de sonhar histórias reveladoras. Não pensou fosse constranger Noite com as perguntas e observações descabidas: “Ela se chama noite? Como pode se chamar assim?” Um dia Noite, já adolescente, recebeu um verso que dizia: “Se não chamasse Noite não seria Noite; Noite que me encanta, que me nina, que me afaga. Se não fosse Noite, quem seria?” Não soube quem mandou. Porém, desde esta data Noite soou de outra forma. Não compreendera completamente a escolha do pai Jovelino, mas sentiu uma ligação profunda com a noite, com o pai, com aquela invenção que se tornara real, ela era “Noite”; não havia nenhuma impropriedade nem sofreguidão nisto.

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