Histórias sempre estão na fronteira; por mais que tentemos acomodá-las elas esbarram no real vivido, ouvido, lembrado; elas esbarram no imaginado, sonhado, criado...por isso evocamos os entrelugares, onde cabem o contraditório, o surpreendente e até o esperado...todos eles permissíveis à intromissão do eu e também à sua ausência, mesmo disfarçada.
sábado, 15 de novembro de 2008
Virada
A barata estava lá, não kafkaniana inerte, mas mesmo assim sofria da impossibilidade, da anatomia atávica, inevitável. O movimento sincrônico das patas no ar feito uma ginástica, uma tentativa repetitiva, infidável. Não se sabe o que fez ela se virar. Elas sofrem desse acidente rotineiro; ficam lá reféns de qualquer predador, até dos chinelos. Nada mais angustiante e patético do que uma barata virada sobre seu casco duro; tantas pernas incapazes de provocar o giro do corpo, até chegar um felino e bum! Até ser comida por uma lagartixa e vir a escuridão. Era uma vez e o sangue branco escorre, e o olhar com cara de nojo, como se o sangue não pudesse ser branco e nem ela um ser que viveu...Já não era sem tempo sua nojenta! O Gregor do Kafka virou uma barata? Tudo indica que sim. Tudo ficava grudado nele; carregava o peso dos conformes. Talvez o Kafka tenha se inspirado em uma barata virada. E o nojo? Ah... O nojo talvez seja apenas um disfarce humano para o medo da quitina bem conformada, mas quebradiça, do ângulo limitado dos membros, fingidores do movimento.
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Um comentário:
Ah nem...já vi essa cena...como conseguiu escrever sobre ela amiga?rs
Eu estava com silvia...lembrei disso meses...afff
Q horro a cena...kafka afffffffffff
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