sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Beija-flor

Seu José era como um beija-flor. Davam as exatas duas horas de permanência no baile e ele ia embora, feito pássaro saciado de seiva por aqueles instantes. Diziam que ia cedo porque morava longe e que se tardasse, sendo ele já um senhor na casa dos setenta, poderia correr algum perigo. Helena, também pra lá dos setenta, fazia par com ele todas as vezes que aparecia. A ‘parte’ era concedida a ela com tanta delicadeza e distinção que ela não pôde deixar de se encantar. Ela se encantou tanto, que sua ida ao forró, como todos diziam, era obrigatório, pelo menos duas vezes na semana. Helena ia de vestido de crochê tecido pelas suas próprias mãos já calejadas, mas ainda ágeis. Dizia que recebia elogios sem igual, que a chamavam de menininha, e sua voz de empolgação ao contar não desmentia a meninice dentro dela. Impressionava-se com a vestimenta de José, ‘sempre limpinho’, ‘bem arrumado’; lembrava-lhe um pouco seu marido pela altura e pela magreza. Aprendeu uma soma de dança com ele, forró, bolero e tango. ‘Tô dançando bem demais’, ela se alegrava. E desandava a falar de seu José, disfarçando a intenção de amizade, porque queria mesmo era um namoro daqueles que ela nunca experimentara, de beijos e carícias, coisa que seu falecido jamais entendera. Certa vez ousou dar-lhe um abraço e ele entendeu como um empurrão, lamentou-se da iminência da queda, com olhar de incompreensão. O beija-flor agora anda em seus sonhos e ela deixa que ele sugue todos os momentos com os passos de sua dança, até que se vá com seus braços de asa, voando, voando, até pousar de novo em volta dela no próximo baile.

Nenhum comentário: